Agrodestaque entrevista o biólogo Victor Wilson Botteon

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Victor Botteon, perito criminal formado em Ciências Biológicas conta como é ser um Investigador Florence (crédito: acervo pessoal)
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Trajetória e atuação profissional.

Sou Bacharel (2013) e Licenciado (2016) em Ciências Biológicas pela Esalq e Mestre (2018) em Ciências pelo Centro de Energia Nuclear na Agricultura (CENA/USP).

Durante a graduação na Esalq, participei de dezenas de cursos dos mais variados assuntos e de quase uma centena de eventos científicos das mais variadas áreas do conhecimento. Aprendi desde produção de cerveja artesanal à investigação de homicídios. Comecei a fazer estágio na segunda semana de aula (2009) no Laboratório de Carbono-14 do CENA, sob orientação do Prof. Luiz Carlos Ruiz Pessenda e, durante um ano, fui bolsista FEALQ, recebi treinamento técnico e participei de um projeto em parceria com a Reserva Biológica da VALE no ES, iniciando minha formação acadêmica e científica. Após esse primeiro projeto e introdução à ciência, busquei conhecer outros laboratórios, mas foi no Departamento de Entomologia e Acarologia que encontrei minha área e principal linha de pesquisa. Sob orientação do Prof. Wesley A. C. Godoy, realizei mais duas iniciações científicas com bolsas da FAPESP, com ênfase em trabalhos em manejo integrado de pragas e controle biológico. Também tive meu contato inicial na área de Entomologia Forense.

Já durante o curso de Mestrado, anos depois, continuei trabalhando com um projeto na área de Entomologia no CENA, sob a orientação do Prof. Thiago Mastrangelo, sendo seu primeiro orientado e o auxiliando no desenvolvimento de outros projetos com mosca-das-frutas. Também atuei como monitor da disciplina de Metodologia do Ensino em Ciências Biológicas II da ESALQ, pelo Programa de Aperfeiçoamento de Ensino da USP; como presidente da Associação de Pós-graduandos (APG-CENA) e representante discente da Comissão de Pesquisa do CENA/USP (gestão 2017-2018), sendo bem ativo na organização de eventos científicos e na publicação de trabalhos na área de Entomologia e Ciências Forenses.

Durante a graduação eu já sabia que gostaria de atuar na área de pesquisa e educação. Especificamente, aplicar o conhecimento científico na elucidação de questões de providência policial e judicial. Nesse período, iniciei meus estudos e preparações para concursos públicos, colecionando algumas aprovações como no curso para Oficial da Polícia Militar, Papiloscopista e de Perito Criminal Oficial do Estado de São Paulo, carreira a qual assumi logo após a colação de grau e que trabalhei por quase dois anos, lotado na Equipe de Perícias Criminalísticas de Americana, Núcleo de Campinas. Fiz o curso de formação profissional na Acadepol em SP e atuei na área de perícias criminalísticas, com investigações técnico-científicas, atendimento de locais de crimes de naturezas diversas e perícias laboratoriais.

Atualmente, na área de educação e divulgação científica, ministro palestras, disciplinas, aulas e ofereço cursos livres e de extensão na área forense e mentoria para concurseiros. Também realizo perícias judiciais e assistência técnica na Comarca Judiciária de Pirassununga/SP. Sou aprovado nos concursos do Tribunal de Justiça de São Paulo e de Perito Criminal Geral do Instituto Geral de Perícias do Estado de Santa Catarina, aguardando a nomeação para voltar a ativa como perito oficial. De tanto estudar sobre legislação e de atuar como auxiliar da Justiça, acabei me apaixonando pela área jurídica. Nunca podemos parar de estudar e de aprender coisas novas. Para mim, o conhecimento é a nossa maior riqueza.

Fale um pouco sobre suas atribuições.

Na área forense, o perito criminal, oficial ou não-oficial, exerce atividade de grande complexidade, de natureza técnica-científica e especializada, sendo a autoridade técnica para executar os exames de corpo de delito necessários à instrução processual penal, nos termos das normas constitucionais e legais em vigor. Segundo o artigo 158 do Código de Processo Penal, “quando a infração deixar vestígios, será indispensável o exame de corpo de delito, direto ou indireto, não podendo supri-lo a confissão do acusado”.

O trabalho do perito criminal é imprescindível para a promoção da Justiça, materializando o ilícito penal. Por meio de análises técnicas e aplicação de metodologia científica, o perito obtém seus resultados visando ao esclarecimento dos fatos em busca da verdade, de forma objetiva e imparcial. Os exames periciais são importantes para o direcionamento de investigações e a instauração do inquérito policial, estabelecimento da dinâmica dos fatos, pode indicar a autoria de crimes e a prova material também pode auxiliar na convicção do Juiz de Direito na prolação da sentença. Todo o trabalho é formalizado no laudo pericial, o qual sua ausência pode culminar na anulação da ação penal. A responsabilidade é tamanha que qualquer erro pode até resultar na incriminação de pessoas inocentes ou inocentar culpados. Portanto, a ausência da perícia pode resultar em impunidade.

Quais os principais desafios desse setor?

Atuando como perito oficial, primeiramente é necessário ser aprovado em concursos extremamente concorridos. O efeito dos seriados como CSI faz com que seja uma carreira muito desejada. Mas a realidade brasileira é muito diferente dos charmosos seriados televisivos. A demanda por trabalhos é muito grande, e a ausência de perícia certamente atrasa mais ainda o julgamento dos casos. No caso dos órgãos periciais públicos, a falta de investimentos e de recursos humanos torna a situação caótica. Hoje, a maioria dos órgãos estaduais possui déficit absurdo em seus quadros funcionais e milhares de casos aguardando laudos. Já para peritos não-oficiais (judicial ou assistente técnico), a alta demanda pode ser uma ótima oportunidade.

Além disso, o perito criminalístico precisa ter um psicológico forte para lidar com crimes todos os dias, manipular cadáveres e realizar diligências em locais nada agradáveis e bastante perigosos. Também é comum o perito plantonista trabalhar atendendo áreas com diversas cidades, muitas vezes sozinho.

Outra dificuldade é a pressão do cotidiano para redigir laudos nos prazos estipulados. O perito interage nesse contexto com delegados, promotores de justiça, juízes e advogados, os quais cobram do perito a celeridade para entregar os laudos. E a quantidade de casos pode dificultar estar em dia com essa emissão. Após a emissão dos laudos, o perito ainda pode ser contestado e ter que complementar seu trabalho e a responder quesitos elaborados pelas partes, podendo ser também intimado a comparecer em audiências. A sobrecarga de trabalho e a ausência de concursos e novas contratações podem levar peritos a adoecerem.

Que tipo de profissional esse mercado espera?

Primeiramente, para ser perito é necessário possuir curso superior. A área de formação é necessária para sua habilitação nos tribunais. Já o perito oficial de local é considerado generalista, precisando conhecer um pouco sobre cada tipo penal e conhecimentos em ciências como Criminalística, Criminologia e Medicina Legal. Peritos de laboratório precisam ser especializados nas respectivas áreas para a realização das análises. Para atuar na área forense, são imprescindíveis amplos conhecimentos de Direito, pois as legislações e normas são a base do trabalho do perito e vão nortear os exames. Conhecimentos científicos também são fundamentais para o levantamento das hipóteses e alcançar a conclusão da perícia. E ao final dos exames técnicos, será exigida uma boa redação para elaboração dos laudos.

Como características pessoais, o próprio edital do certame ditará o perfil profissional, sendo necessário possuir, por exemplo, boa atenção e concentração; liderança; boa capacidade de raciocínio lógico, de análise e adaptação; bom controle de impulsos, de pressão ao trabalho e reações afetivo-emocionais; entre outras.

 

 

Texto: Gabriela Martins Spolidoro | Estagiária de Jornalismo

Revisão: Caio Albuquerque

Entrevista concedida em 16/08/2018