Espécie símbolo das águas brasileiras pode estar ameaçada por pequenas centrais hidrelétricas

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Foto: Adriano Gambarini
Editoria: 

Algumas espécies de animais convivem perfeitamente com as pessoas nas cidades e áreas rurais, enquanto outras necessitam de áreas conservadas e naturais. O pato-mergulhão (Mergus octosetaceus) é uma dessas espécies que desaparecem quando há alto índice de perturbação humana, necessitando de rios e riachos com águas extremamente limpas e transparentes para se alimentar, onde caça pequenos peixes e lambaris.

Para auxiliar na conservação e persistência da espécie, uma equipe envolvendo 14 pesquisadores de 12 diferentes instituições, incluindo universidades, órgãos públicos federais e estaduais, organizações privadas e não-governamentais, se uniram para gerar um mapa com previsão das áreas mais adequadas para o pato-mergulhão, isso é, áreas onde a espécie possui maior chance de estar presente em função das características do ambiente.

A iniciativa integra o Plano de Ação Nacional (PAN) para a Conservação do Pato-mergulhão (https://www.gov.br/icmbio/pt-br/assuntos/biodiversidade/pan/pan-pato-mer...), coordenado pelo CEMAVE/ICMBio (Centro Nacional de Pesquisa e Conservação de Aves Silvestres / Instituto Chico Mendes para a Conservação da Biodiversidade) e que contou com a colaboração do Grupo de Especialistas em Planejamento para a Conservação (CPSG), da Comissão de Sobrevivência de Espécies da IUCN (União Internacional para Conservação da Natureza).

Nesse trabalho, também foram estimados potenciais impactos negativos que a construção de novas Pequenas Centrais Hidrelétricas (PCHs) podem causar, e o quanto do ambiente adequado à sobrevivência da espécie está protegido por Unidades de Conservação.

Os resultados são preocupantes, mostrando que há uma baixa quantidade de áreas ambientalmente propícias à ocorrência do pato-mergulhão, localizadas nas três áreas onde a espécie ainda existe e em outras três áreas potenciais, porém sem registros recentes (Grande Sertão Veredas, Serra do Espinhaço e Serra da Mantiqueira). Além disso, 36 PCHs estão planejadas para serem construídas próximas (menos que 20 km) a locais onde a espécie habita atualmente, podendo impactar cerca de 504 km², o que equivale a 4,1% das áreas adequadas à ocorrência da espécie.

Avaliação – Segundo Alex Bovo e Katia Ferraz, membros do Laboratório de Ecologia, Manejo e Conservação da Fauna Silvestre (LEMaC/Esalq/USP) e que coordenaram a pesquisa, o estudo não refuta a implementação de PCHs, mas valoriza a importância do licenciamento ambiental. “Reforçamos que esse estudo não manifesta rejeição à implementação de PCHs, visto sua necessidade para a geração de energia, mas reforça a importância do licenciamento ambiental e da avaliação de impacto ambiental para que os benefícios e impactos sejam minimizados e/ou mitigados, e, quando necessário, que outras alternativas sejam utilizadas, sobretudo quando estamos lidando com espécies com números tão reduzidos na natureza”.

Em relação às Unidade de Conservação, cerca de 17% da área adequada e próxima a registros recentes está protegida. A maior parte da população da espécie está fora de áreas protegidas, estando sujeita à diversos impactos das atividades humanas que diminuem a qualidade da água, e consequentemente afetam o pato-mergulhão, como a erosão do solo a partir da conversão de áreas nativas em pastagens e cultivos agrícolas, a poluição dos rios por pesticidas e esgotos e os incêndios criminosos. Flávia Ribeiro, do Instituto Terra Brasilis, que estuda o pato-mergulhão há mais de 15 anos na região da Serra da Canastra, e coautora da pesquisa, alerta que menos de 20% da população da espécie na Serra da Canastra, que abriga a maior quantidade de indivíduos atualmente, está protegida pelo Parque Nacional. As ameaças são crescentes e colocam em risco a permanência do pato-mergulhão na região, sobretudo quando existem diversos empreendimentos hidrelétricos e minerários previstos na área de ocorrência da espécie. Se estes impactos não forem mitigados ou sanados, o futuro do pato-mergulhão na região é incerto.

Por fim, Gislaine Disconzi, do Projeto Pato-mergulhão Chapada dos Veadeiros, e Marcelo Barbosa, do Instituto Natureza do Tocantins - NATURATINS, também coautores do estudo, apontam que “os resultados encontrados serão úteis para direcionar busca por novos indivíduos e populações da espécie, e reforçam que são necessários esforços para continuar trabalhando pela conservação do pato-mergulhão, e que é essencial conciliar o desenvolvimento e a conservação dessa ameaçada espécie”. 

Pato-mergulhão – A espécie originalmente era encontrada em diversas áreas do Cerrado e Mata Atlântica do Brasil, Argentina e Paraguai, mas atualmente sobrevive apenas em três regiões do Brasil central: Serra da Canastra, Chapada dos Veadeiros e no Jalapão, e a população total estimada é de menos que 250 indivíduos. Por ser considerado Criticamente Ameaçado de extinção globalmente e precisar de águas limpas para sobreviver, a espécie foi reconhecida em 2018 como Símbolo das Águas Brasileiras pelo Ministério do Meio Ambiente.

O artigo está disponível em: https://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S253006442100047X

17/05/2021