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controlar a instituição ou é suficientemente forte para interferir no destino da instituição. Essas pessoas se sentem à vontade para fazer o que bem entendem.

Dá para dizer que o mesmo grupo que pratica os trotes pode vir a praticar a violência sexual? Isso faz parte da cultura do trote?

Neste caso específico, não é que só possam ocorrer estupros por esse grupo. O estupro pode ocorrer em várias situações. Mas esse grupo se sente autorizado para agredir as pessoas, eles se sentem donos da situação e por isso cometem violências várias, desde espancar, humilhar até o assédio sexual. Não só com as meninas.

Quando a faculdade é negligente em não coibir o trote é um incentivo para que se cometam outras violências?

Não é só uma negligencia. É o fato de que tem um grupo de professores, alunos e funcionários muito envolvidos com o trote. A cultura deles é a do machismo, da violência, do desprezo pelos mais pobres, pelos que fazem trabalhos braçais, pelos negros. Esse grupo quando de fato controla a universidade, há um discurso de não manchar imagem da universidade. Então eles desestimulam a vítima de tomar as ações cabíveis, como ir a polícia, instaurar o inquérito, ou tomar qualquer atitude que levaria,

potencialmente, a uma punição. Eles tentam abafar. Se isso não der certo, nomeia uma comissão, que vai investigar e não vai chegar a lugar nenhum. Essas ações são negligências da faculdade?

É uma negligência, mas eu diria que mais que isso, é uma cumplicidade com o trote. A postura da instituição indica que ela quer o trote, até aceita que seja violento, mas não quer que os problemas se tornem públicos, porque afeta a imagem dela. Não quer que morra uma pessoa, que haja uma

investigação ou que ocorra o que está acontecendo na FMUSP, mas ela não está preocupada em coibir o trote. A perspectiva desse grupo é que o trote tem que ocorrer, que é bom. A permissividade da universidade gera consequências do tipo violência, homofobia a até estupros dentro do campus.

As mulheres são as vítimas preferenciais e sofrem abusos sexuais dentro das univeridades. Por quê? É uma relação de poder?

Acho que sim. Esse pacote de preconceito não vem isolado. O sujeito não é preconceituoso em um aspecto. As mulheres são vítimas fundamentais disso porque conquistaram nas últimas décadas espaços que antes eram só masculinos. Houve uma abertura. Uma parte dos homens aceitou isso, teve uma reação positiva. Mas uma parte teve uma reação negativa. No trote, isso se manifesta claramente. Elas são assediadas sexual e moralmente e dentro das universidades, isso se perpetua permanentemente. O número de docentes mulheres que são professoras titulares, que assumiram cargos de chefia, cargos de reitoria ainda é pequeno. Esse padrão muito machista ainda é predominante dentro da universidade.

Há uma visão geral de que o trote é tradição e que quando você chega à universidade vai passar por isso para se integrar. Como o senhor vê isso?

Essa é a grande desculpa para perpetrar essa violência. Não há motivo para essa tradição. É uma farsa. É diferente dos rituais de passagem das sociedades tribais, por exemplo, que seguem uma tradição. Neste caso, a pessoa vai receber três cortes ou vai ser escarificada de tal maneira, mas tem um limite. O abuso não ocorre porque existe esse limite tradicional. O trote não tem limite algum, é algo do campo da violência e da tradição do grupo trotista, que é minoria. Nas faculdades, onde o trote é mais recorrente, esse núcleo mais duro, que aceita mais o trote, não passa de 20% dos alunos. A ideia de que o aluno vai ficar isolado é uma bobagem.

Mas não é só na universidade que isso acontece. Quando o vestibulando vê o nome na lista, ele já é pintado, tem o cabelo cortado...

Os colégios, cursinhos e a própria universidade usam a imagem do trote para se promover. No próprio cursinho, me parece bastante problemático. Também é problema que instituições permitam que seus símbolos sejam usados para a promoção de cursinhos. É comum ter publicidade de cursinhos em que a aparece na testa do aluno USP, Unesp, ITA. Caberia por parte das universidades em geral uma ação.

Quem são as principais vítimas? Geralmente, os trotes acontecem na primeira semana, não é? Não dá simplesmente para não participar?

No caso da Esalq, o trote é para o resto da vida. O aluno fica até 13 de maio recebendo trote, que é crescente. As coisas piores ocorrem mais próximas a essa data. Depois, todos os anos, em outubro,

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