Reflexões sobre o efeito do Projeto de Lei (PL) 529/2020 na situação financeira das Universidades Paulistas e Fapesp

Indignar-se é desconhecer a história do mundo!

O PL 529/2020, tal como proposta pelo Governo de São Paulo, analisada sobre os critérios de forma e conteúdo permite reflexões.

Quanto ao conteúdo, é uma ação estratégica, pois o cenário atual favorece a opinião pública e o Legislativo a aderirem às mudanças propostas sob o argumento da crise financeira que se impõe, cuja origem seria a pandemia devido ao Covid-19. Em verdade, as despesas adicionais e perdas financeiras líquidas com o Covid-19 no Estado de São Paulo são estimadas em cerca de R$2 bilhões, porém o que não consta, entretanto, é que o pacote proposto busca amealhar $10,4 bilhões para resolver desequilíbrios na economia Paulista que se arrastam há várias gestões. Por isso, a proposta é estratégica.

Quanto à forma, o Governo escolheu “passar o pacote” agora, pois as negociações com o Legislativo se simplificariam e o desgaste da imagem e impopularidade das medidas propostas seriam superadas em alguns dias, dada a miríade de fatos novos do cenário atual. Conforme Maquiavel, “a maldade deve ser feita de uma única vez”. O próprio Legislativo parece se convencer de que é o mais acertado a se fazer no momento. Adicione-se a isso, a conveniência do sincronismo temporal com as eleições futuras nas diversas instâncias.

O ponto fulcral desta análise está na repercussão da suposta impopularidade dessas medidas para o Governo. Qual a porcentagem dos cidadãos do Estado de São Paulo enxerga o alcance e a dimensão do sequestro de recursos das Universidades Paulistas e da Fapesp? Certamente poucos!

O motivo de serem poucos é, em parte, também responsabilidade das Universidades e da Fapesp, pois se debruçaram em fazer bem o que se espera delas, mas não investiram adequadamente na comunicação com a Sociedade levando a mensagem de sua importância e essencialidade ao cotidiano das famílias. Isso é feito com regularidade nas boas Universidades no exterior. Fica o aprendizado.

Em qualquer família paulista, o questionamento do impacto da ciência e do conhecimento, gerado no Estado de São Paulo em suas vidas, é seguido de um sonoro silêncio. Esse fenômeno é reconhecido globalmente, especialmente em países onde a falta de prioridade na educação falhou em desenvolver consciência coletiva e senso crítico na população.

Assim, a notícia da Universidade de São Paulo ser posicionada sistematicamente como a melhor da Íbero-América em rankings de competitividade internacional, sob avaliação de parâmetros rigorosos, em relação às melhores universidades do mundo, tem relevância questionável na vida prosaica das pessoas comuns.

A população nunca foi estimulada a desenvolver sentimento de pertencimento e de orgulho ao que funciona bem no Estado de São Paulo e no Brasil. Nem mesmo tem consciência das iniciativas de sucesso que permeiam os entes da administração pública estadual e federal. Para agravar, os governantes se apoiam na ciência quando lhes convêm, politizando o conhecimento.

Diante desse cenário, como esperar comportamento de razoabilidade da Sociedade Paulista num momento como o que enfrentamos?

A realidade oculta é que, a Universidade de São Paulo jamais solicitou recursos financeiros adicionais ao Governo de São Paulo, desde a garantia da Autonomia Universitária, há 31 anos, superou as crises externas com coragem administrativa para promover os ajustes internos. Nos últimos anos disparou nos rankings internacionais de competitividade global entre Universidades de todo o mundo, produz pesquisa de alta qualidade, mantém 90.000 alunos de graduação e pós-graduação e entrega todos os anos 18.000 novos profissionais formados para a Sociedade, promove diversas ações de extensão, cultura e de dimensão social. E ainda, a gestão administrativa consciente permitiu poupar recursos para investimentos estratégicos, que de forma sustentável devem manter a USP na vanguarda por muitos anos. Tudo isso, num período em que os repasses do Governo de São Paulo estiveram 5% abaixo dos orçamentos anuais (2015-2020).

Quantos paulistas sentem orgulho desse status quo de “Nossa” Universidade? Presumivelmente poucos, não fosse assim a proposta do PL 529/2020 não se arriscaria em propor a subtração das reservas financeiras que foram “construídas” intencionalmente e de forma planejada para a USP continuar a ser o que é.

Contudo, O Governo de São Paulo, está buscando recursos, obviamente, onde há recursos. E como normalmente ocorreu na história do mundo, os recursos são resultantes de gestão eficiente. A USP corre o risco de ter seus recursos contingenciados por ter sido eficiente.

Esse cenário sugere outra reflexão: quais outros entes da Administração Pública Paulista se constituem em referências de excelência internacional? O relativismo político talvez possa explicar, mas, definitivamente, não a razão.

O sentimento da USP é de “luto administrativo”, em que pese a solidariedade e respeito às famílias dos quase 30.000 mortos pelo Covid-19 em São Paulo, para as quais muito pouco pode ser dito para atenuar a intensidade da perda.

Ao que parece, dadas às circunstâncias e contexto, a Universidade de São Paulo indigna-se com os termos do PL 529/2020, a qual desconhece a história do mundo, pois a meta de ajuste fiscal deve prevalecer ao desmonte acadêmico/científico, o que acarretará um imenso prejuízo à sociedade, visto que a missão maior do Ensino e Pesquisa é transformar conhecimento em riqueza para a melhoria da qualidade de vida de todos.

Sem recursos não há ciência, sem ciência não há conhecimento e treinamento qualificado de pessoal; e sem isso, não há geração de riquezas e esperança.

O PL 529/2020, ao menos no que se refere ao confisco do superavit financeiro das Universidades Paulistas e Fapesp, termina com a esperança da continuidade da excelência em Educação e Pesquisa.

Dr. Luiz Gustavo Nussio
Professor Titular da Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz”
Coordenador da Administração Geral da Universidade de São Paulo

Edição 338