Lineu Rodrigues, da Embrapa, diz que o uso da água na agricultura tem uma diferença significativa com
relação ao uso humano e ao industrial: a qualidade dos resíduos. "A água que volta para o rio depois do
consumo humano tem qualidade horrível, é esgoto. Na agricultura bem-feita, ela volta limpa. Nossa
análise de poços no Cerrado mostra isso. É injusto não levar isso em conta", diz.
Mas Ribeiro, da SOS Mata Atlântica, afirma que nem sempre é esse o caso: "Por causa dos defensivos
agrícolas usados no Brasil, muitos deles proibidos no exterior, o produto final muitas vezes é uma água
contaminada".
Há desperdícios? A agricultura está sendo forçada a economizar?
Não há, na ANA ou no governo brasileiro, estatísticas oficiais sobre a extensão do desperdício da água na
agricultura. A SOS Mata Atlântica diz que as perdas podem chegar a 70%; Rodrigues, da Embrapa, vê
perdas menores, de 15% a 20%, na região onde trabalha.
Tampouco há, segundo a ANA, metas oficiais para economizar água no setor agrícola, mas produtores
que não cumpram medidas de eficiência ou gastem água além do previsto podem, em tese, perder a
outorga para captar recursos hídricos. A própria agência, no entanto, aponta que, na prática, isso não
ocorre com frequência.
Os cinco especialistas consultados pela BBC Brasil concordam que o setor pode otimizar o uso hídrico,
aprimorando a retenção de águas nas fazendas ou evitando desperdícios na irrigação.
Para Nelson Ananias Junior, assessor da Confederação Nacional de Agricultura (CNA), falta
regulamentação ao processo de retenção de água em propriedades agrícolas, o que facilitaria o
armazenamento de águas em épocas de seca.
"Podemos plantar na seca (no Brasil), porque temos sol e solo", diz. "O limite é a água. Se ela for mais
bem distribuída, produzimos mais."
Ananias diz que os produtores são incentivados a economizar água para economizar dinheiro, já que,
quanto mais água os agricultores gastam, maiores são seus custos de energia - o custo para bombear
água das fontes às plantações fica na conta dos produtores. Ainda assim, para a SOS Mata Atlântica, isso
não pesa tanto no bolso do produtor: "A água e a energia são muito baratas".
A CNA e a ANA anunciaram, em abril passado, um Acordo de Cooperação Técnica para mapear e
aprimorar a gestão de recursos hídricos no país, capacitar produtores rurais e criar estratégias para agir
em áreas de potenciais conflitos envolvendo o uso da agricultura irrigada, mas o acordo ainda não teve
desdobramentos práticos.
A agricultura está sendo afetada pela falta dágua?
Safras como as de feijão, em Goiás, e o milho, em Minas e São Paulo, perderam produtividade por conta
da crise hídrica.
Especialistas dizem que há água suficiente para todos, mas uma boa gestão é indispensável
Ananias, da CNA, explica que os produtores são diretamente impactados pela falta dágua porque a
legislação brasileira determina que, em caso de seca, o uso prioritário é o humano, e não o agrícola.
Para Ribeiro, os mais prejudicados tendem a ser os produtores de pequeno porte. "Em Ibiúna (SP), por
exemplo, pequenos agricultores de batata e hortaliça tinham toda sua documentação ambiental em dia,
mas tiveram sua outorga suspensa (por causa da crise de abastecimento no estado)", diz a coordenadora
da Rede das Águas da SOS Atlântica.
A irrigação é problema ou solução?