Estudo com informações de mais de 100 anos mostra os impactos da expansão humana sobre a ecologia de aves no estado de São Paulo

Versão para impressãoEnviar por email
ndivíduo macho de rendeira (Manacus manacus), ave que se alimenta de frutos em áreas florestais (Crédito: Flavio Moraes)
Editoria: 

Um grupo de pesquisadores de universidades paulistas (USP, UNESP e UNICAMP) e centros de pesquisa (ICMBio/CENAP e Instituto Pró-Carnívoros) publicou um artigo na revista científica Oikos, que mostra os efeitos negativos da expansão das atividades humanas ao longo de mais de 100 anos sobre a dieta e uso do habitat de aves brasileiras.

Liderado pela bióloga Ana Beatriz Navarro, mestre pelo Programa de Pós-Graduação Interunidades em Ecologia Aplicada da Esalq/CENA e orientada pela Profa. Katia Ferraz do Departamento de Ciências Florestais da Esalq, o estudo mostrou uma ampla redução no nicho alimentar (i.e., conjunto de condições e recursos que permitem a uma espécie sobreviver no ambiente) de diversos grupos de aves dos biomas Mata Atlântica e Cerrado no estado de São Paulo. As espécies que se alimentam de frutos e néctar foram as mais afetadas (70% de redução do tamanho do nicho alimentar) em detrimento do provável declínio de recursos alimentares (espécies de plantas), reflexo do histórico de desmatamento e intensificação da agricultura nas áreas de estudo.

“Outros dois grupos de aves que tiveram reduções substanciais nos seus nichos, foram as espécies que se alimentam de invertebrados (52%) e aquelas que consomem tanto invertebrados quanto frutos (40%), chamado de onívoros. Novamente, o perverso efeito dos impactos causados pelas atividades humanas no último centenário, têm afetado até mesmo espécies de aves não ameaçadas, comuns (por exemplo, juritis, sabiás, saíras, entre outros) e que vivem em fragmentos florestais bem degradados”, conta a pesquisadora.

Algumas aves que se alimentam de grãos e gramíneas, por vezes, são consideradas espécies com maior tolerância a alterações ambientais. Assim, poderíamos esperar que muitas delas não seriam diretamente afetadas pela transformação de áreas naturais em mais áreas abertas como, por exemplo, pastagens e cultivos agrícolas. No entanto, o que se observou foi, mesmo que em menor intensidade, uma redução no nicho alimentar dessas espécies ao longo dos anos (28%). A substituição de gramíneas nativas por aquelas de interesse econômico e agrícola (pastagens para gado) é provavelmente a principal causa para o resultado observado.

Além disso, os resultados apontam para a dependência das áreas florestais para a obtenção de alimento por parte das aves do passado e do presente. Segundo os pesquisadores, isso reforça a necessidade de manter áreas naturais preservadas, já que as aves não mudaram seus padrões de uso do habitat com as modificações nas áreas naturais ocasionadas pelo ser humano. “Ainda se observou que, possivelmente, o aumento no uso e aplicação de fertilizantes nitrogenados nas áreas agrícolas com os anos pode estar sendo incorporado no meio ambiente e, consequentemente, sendo observado nas aves. Ainda não se sabe efetivamente os efeitos que essa transferência de fertilizantes das áreas produtivas para as florestais pode ocasionar nas aves, mas alguns estudos apontam para uma possível influência negativa sobre a qualidade das penas”.

Por fim, quando comparadas as espécies de hoje com aquelas que viviam no início do século passado na mesma região, observou-se que as aves atuais possuem uma alimentação baseada em uma menor quantidade e diversidade de recursos naturais. “Essa evidência ainda não existia para as aves comuns brasileiras”.

Para chegar nos resultados apresentados, este estudo utilizou um pequeno pedaço de pena de diversas aves capturadas em campo (e soltas logo em seguida) na última década e de vários exemplares depositados no Museu de Zoologia da USP, coletados desde o final do século XIX em várias áreas do estado de São Paulo. A partir das penas, foram feitas análises químicas dos elementos de carbono e nitrogênio (conhecida como análise de isótopos estáveis), realizadas pelo Laboratório de Ecologia Isotópica do Centro de Energia Nuclear na Agricultura da USP, em Piracicaba.

O trabalho pode ser lido na íntegra aqui:

https://onlinelibrary.wiley.com/doi/10.1111/oik.08386

23/09/2021