Pesquisa observa a presença de aves em paisagens agrícolas e indica implicações para a conservação da biodiversidade e avaliações ambientais

Versão para impressãoEnviar por email
Lavadeira-mascarada (Fluvicola nengueta) fotografada no mourão de cerca de uma pastagem para gado (crédito: Eduardo Alexandrino)
Editoria: 

Um estudo interdisciplinar desenvolvido no Programa de Pós-graduação Interunidades (ESALQ/CENA) em Ecologia Aplicada aponta que as pastagens em pequenas propriedades rurais são menos impactantes à biodiversidade de aves do que a monocultura canavieira. Este foi uma das conclusões apresentadas pelo biólogo Eduardo Roberto Alexandrino em sua tese de doutorado.

Durante um ano (Nov2011-Nov2012), Alexandrino amostrou mensalmente as aves ocorrentes em oito sítios amostrais localizados no interior de pastagens e canaviais, e também em oito fragmentos florestais, todos inseridos em cinco paisagens agrícolas (cada paisagem com 16km2, ocupado predominantemente por pasto ou cana-de-açúcar e com algumas áreas florestais) da Bacia do Rio Corumbataí, Estado de São Paulo.

Foram registradas 132 espécies no meio das pastagens enquanto que apenas 72 nos canaviais, sendo que tanto a riqueza geral quanto a abundância relativa de alguns grupos de aves foram explicadas pela variação na heterogeneidade da paisagem, avalia o pesquisador. “Muitas pastagens existentes na parte norte desta bacia hidrográfica estão localizadas dentro de pequenas propriedades familiares, e lá existem diferentes elementos estruturais, como árvores isoladas, construções rurais, pequenos jardins. Tudo isso ajuda a criar uma paisagem agrícola mais heterogênea e diversa, favorecendo a presença de uma grande quantidade de aves. Essa situação não é facilmente encontrada na paisagem agrícola dominada por grandes canaviais”, comenta Alexandrino. Com este resultado, o biólogo alerta que se uma expansão canavieira ocorrer, substituindo demais culturas, o impacto à biodiversidade de aves poderá ser elevado, por conta do atual manejo e ordenação territorial do setor canavieiro. “Este é um risco potencial já que existem clamores em esfera mundial pelo o uso de biocombustíveis”, complementa.

Além deste resultado inédito, a tese também avaliou a avifauna de fragmentos florestais inseridos na paisagem agrícola como bioindicador de qualidade ambiental, uma abordagem frequentemente aplicada em Estudos de Impactos Ambietais no Brasil. “Devido ao dinamismo e complexidade estrutural observada nas paisagens agrícolas, entender quais espécies que ainda ocorrem nestes locais conseguem refletir as condições ambientais lá existentes é altamente necessário, além de saber quais métodos analíticos conseguem acessar corretamente estas informações ambientais”, aponta Alexandrino. Nesta etapa da pesquisa, foi constatado que um índice de sensibilidade a distúrbios humanos, lançado por pesquisadores americanos na década de 90 para todas as aves ocorrentes na América do Sul, e que sempre foi amplamente utilizado por ornitólogos brasileiros em estudos ambientais, não funcionava corretamente para avaliação dos pequenos fragmentos florestais de paisagens agrícolas. Do mesmo modo, a pesquisa constatou que outros dois métodos obtidos por meio dos dados de aves, como a riqueza de espécies e índice de diversidade, também não funcionavam como parâmetros para avaliações ambientais destes fragmentos florestais. “Todos estes resultados são chocantes, já que as atuais legislações ambientais, paulista e nacional, solicitam que estes métodos analíticos sejam empregados em Estudos de Impactos Ambientais (EIA/RIMA) de empreendimentos que visam obter as licenças ambientais necessárias para seu funcionamento. Ou seja, é bem provável que vários empreendimentos já instalados, tenham avaliado erradamente os fragmentos florestais que tiveram que sofrer intervenções ou corte por conta da chegada do empreendimento”, alerta o pesquisador. Em resposta a esta falha, Alexandrino testou o uso do Índice de Integridade Biótica, um método multimétrico criado nos anos 80, mas que ainda não tinha sido apropriadamente aplicado para avaliações ambientais de ecossistemas terrestres neotropicais. Esta abordagem analítica foi a única que obteve êxito na avaliação dos fragmentos por ele estudados. Com ela, o biólogo conseguiu revelar que diferentes grupos de aves atuam como bioindicadoras (como, aves que possuem hábitos estritamente florestais, aves com hábitos estritamente não-florestais, aves que usam ambiente florestal e não florestal, pequenas aves que se alimentam de insetos no sub-bosque florestal, aves que se alimentam à meia altura dentro do ambiente florestal, aves endêmicas e aves ameaçadas de extinção), onde cada uma indica diferente condições ambientais dos fragmentos florestais.

O trabalho teve orientação do professor Hilton Thadeu Zarate do Couto e co-orientação da professora Katia Maria Paschoaletto Micchi de Barros Ferraz. No entanto, outros pesquisadores do Brasil e dos Estados Unidos também colaboraram com as pesquisas, como o professor Silvio Frosini de Barros Ferraz e os pós-graduandos Yuri Forte e Carla Cassiano, todos do Departamento de Ciências Florestais da ESALQ; o professor Cagan Sekercioglu e o pesquisador Evan Buechley, ambos da Universidade de Utah; e o professor emérito James Karr, da universidade de Washington, criador do Índice de Integridade Biótica, o qual obteve êxito na presente tese.

Em setembro deste ano a tese recebeu menção honrosa no prêmio Teses destaque da USP e, em outubro, seu capítulo 4, que aborda sobre aves nas pastagens e canaviais recebeu o prêmio destaque de melhor trabalho no tema "uso do solo e gestão ambiental", durante o Student Conference on Conservation Science (http://www.amnh.org/our-research/center-for-biodiversity-conservation/convening-and-connecting/conferences-and-symposia/2016-sccs-ny), uma conferência internacional realizada no American Museum of Natural History, de Nova York. “O ganho destes prêmios demonstram o quanto o tema desta tese é importante para a atualidade, inclusive no cenário internacional, e reforça a ESALQ como um importante polo de conhecimento na área de manejo da vida silvestre em áreas agrícolas e gestão de impactos ambientais”, destaca o autor.

Texto: Caio Albuquerque (21/11/2016)