Tecnologias a favor do campo

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Projeto avaliará a quantidade mínima adequada de palha para ser deixada em canaviais (Crédito: Gerhard Waller)
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No primeiro contato que teve com o Departamento de Ciência do Solo, o professor José Luiz Ioriatti Demattê ainda era estudante de Engenharia Agronômica. Na ocasião, meados da década de 1960, ele procurava um orientador para assinar seus formulários de solicitação de bolsa da Fapesp e encontrou o então professor Guido Ranzani pintando de próprio punho um mapa. “Era o mapeamento das terras de Piracicaba e então comecei como bolsista acompanhando o professor Guido nas idas ao campo, abrindo e fechando porteiras de propriedades rurais para podermos coletar dados do solo da cidade”.

Cinquenta anos depois, o filho do professor José Luiz, José Alexandre Demattê, usa o sensoriamento remoto (interação da energia eletromagnética – luz – com amostras de solo), por meio de plataformas localizadas em laboratório, no campo, diretamente em tratores, em avião ou satélites para avaliar, por exemplo, teores de argila do solo. Dessa forma, é possível realizar um mapeamento quase que imediato, oferecendo ao produtor informações mais seguras quanto a escolha de terras ou com qual cultura terá mais êxito, e ainda o que é necessário para manejar as lavouras.

Biblioteca – A partir das amostras que chegam de várias partes do território brasileiro, Demattê vem montando um banco de dados online. “Por enquanto estamos em processo de montagem da Biblioteca Espectral de Solos no Brasil. Quando estiver disponibilizada, cada pessoa que doa uma amostra ou quem mais tiver interesse, poderá acessar o sistema. A previsão é de que em um ano esse banco de dados comece a operar. Estamos elaborando também técnicas de obtenção de mapas de solos mais rápidos para oferecer para as pessoas, mas estamos no começo”.

Demattê, o filho, é responsável no Departamento de Ciência do Solo da ESALQ, pela área de sensoriamento remoto. “O mapeamento permite que o produtor conheça o tipo de solo que possui, para que consiga plantar a variedade certa, no lugar certo. Hoje, aplicamos o máximo de tecnologia possível. Com o sensoriamento remoto, usamos sensores no avião, até sensor no trator, que mede a planta, quanto tem de verde e já indica quanto deve-se aplicar de nitrogênio, por exemplo”. Segundo o docente, se o solo não for detalhadamente conhecido e monitorado, as consequências podem ser prejudiciais tanto em nível produtivo quanto ambiental. “A pressão e expansão agrícola aumentam os riscos de depauperamento por meio de sistemas erosivos e aplicação inadequada de defensivos e fertilizantes. Temos que otimizar o uso do solo com qualidade ambiental”. Com a efetivação do professor Jose Alexandre Dematte como professor titular da ESALQ, o Departamento de Ciência do Solo consolidou, em julho deste ano, a área de sensoriamento remoto aplicado a solos. “Apesar dessa ciência ser estudada desde os anos 1950, não se tinha no Brasil um professor titular nesta área de atuação”, conta o docente.

Em conjunto com o Departamento de Engenharia de Biossistemas, a partir do contato com o prof. José Paulo Molin, Demattê coordenou estudos do solo com sensores diretamente acoplados em tratores para fins de agricultura de precisão. 

Em um dos projetos coordenador pelo professor Demattê, o grupo GeoCis (Geotecnologias Em Ciencia do solo) vem desenvolvendo o mapeamento de solos do município de Piracicaba via geotecnologias. No caso, a estratégia é a de mapear a textura do solo via satélite com 70% de acerto. Tal produto poderá auxiliar no planejamento e gestão das áreas agrícolas e de produção.

“Hoje, o departamento de solos avança no sentido de agregar informações sobre o solo de maneira mais rápida, menos onerosa e com qualidade ambiental, com vistas a produtos úteis em agricultura, planejamentos agrícolas e ambientais”.

Aliás, a qualidade ambiental dos solos também é a preocupação do professor Luís Reynaldo Ferracciú Alleoni, da área de Química aplicada aos solos. “Tradicionalmente estudamos os fenômenos químicos pensando na nutrição das plantas, mas nos últimos dez anos cresceu a área de química ambiental do solo”.

Em parceria com a Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (Cetesb), Alleoni e dois orientados do Programa de Pós-graduação em Solos e Nutrição de Plantas realizaram estudos que definiram valores de referência da presença de elementos como o chumbo, por exemplo, para que uma área passasse a ser considerada contaminada exigindo intervenção. “Dois alunos da pós-graduação passaram um ano na Holanda, pois o órgão ambiental daquele país foi quem assessorou a Cetesb na definição de valores. Agora estamos com uma proposta de detalhar um pouco mais, ou seja, a partir do momento que uma área está contaminada, há várias formas de recuperá-la. Estamos avaliando como que, potencialmente, o teor de determinado elemento pode atingir uma planta ou chegar até um lençol freático por exemplo”.

E o refinamento de valores executado pela equipe do professor Alleoni para auxiliar a Cetesb rompeu as barreiras paulistas. “O que a Cetesb fez em São Paulo, nossa equipe fez no Mato Grosso, Rondônia e Pará. Em outras palavras, esses três estados não tinham os valores naturais e nossas equipes estabeleceram, a partir de pesquisas conduzidas em parcerias com os órgãos estaduais, teores naturais nesses estados, e esses estudos servem para que cada órgão ambiental possa definir parâmetros de contaminação”.

Segundo Alleoni, o Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conam), tem definido prazos para que cada estado tenha seus valores naturais. E os valores chamados de intervenção são baseados na exposição à saúde humana. “Aí entram fatores como teor no solo, deposição atmosférica, quantidade que uma criança pode comer, quantidade que pode ficar aderida à pele, tudo entra em um modelo de exposição de risco à saúde humana e o solo é um dos componentes”, explica.

Análises Para atender a demanda de produtores rurais que buscam a partir da química do solo potencializar sua produtividade, o Departamento conta com o Laboratório de Análise Química do Solo (LAQS), que desde 2012 é acreditado pelo Inmetro. “Fazemos em média 20, 30 mil análises por ano para produtores rurais, que com esses resultados podem fazer um plano adequado da utilização de calcário e adubo”, aponta Alleoni, coordenador do LAQS. Em 2014, o LAQS foi procurado por uma empresa que prestou serviços para quatro arenas de futebol que foram palcos da Copa do Mundo de futebol. Dessa forma, saíram das bancadas do laboratório os atestados de qualidade do solo do Itaquerão, em São Paulo, da Arena Pantanal (Cuiabá), Estádio Beira-Rio (Porto Alegre) e Estádio das Dunas (Natal). “As características de um gramado para campo de futebol são bem específicas. Nós avaliamos quais são os nutrientes e em que quantidade eles estão presentes no solo para ver se o gramado estava em condições perfeitas. É preciso que o solo drene muito rapidamente para uma rápida brotação e para que a grama aguente o pisoteio constante dos atletas. No caso de campos de futebol é importante que os primeiros centímetros do solo sejam de constituição arenosa para que a água se escoe ligeiramente e não se acumule. Isso é fundamental para a bola correr livremente”, explicou o professor.

Economia – Das arenas de futebol, para o campo da economia, um impasse brota dos canaviais. Quanto de palha da cana-de-açúcar deve ser encaminhado para a geração de energia e produção de etanol de segunda geração e quanto deve permanecer no solo e garantir níveis globais de produtividade? A resposta para essa questão exigirá esforços do professor Carlos Eduardo Pellegrino Cerri, que atua com matéria orgânica do solo. Em uma parceria que envolve a ESALQ, o Centro de Energia Nuclear da Agricultura (Cena), da USP, o laboratório de informática iLAB e a empresa Raízen, Cerri coordenará um projeto financiado pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) que pretende desenvolver um Sistema Integrado para Tomada de Decisão Sobre a Quantidade de Palha (Sispalha). “Essa tecnologia será então encaminhada ao setor produtivo, que poderá avaliar as quantidades para a produção de etanol celulósico e bioenergia e a mantida no campo, com intenção de promover a qualidade do solo e sua relação com a produtividade da cultura”, conta o professor Cerri. A equipe responsável pelo projeto é composta por engenheiros agrônomos, biólogos, químicos e estatísticos da ESALQ e CENA; programadores de software, especialistas em tecnologia da informação da iLAB, e também engenheiros agrônomo, civil, mecânico e químico da Raizen.

O projeto prevê avaliações das interações solo-planta-atmosfera por no mínimo 3 anos de medidas contínuas, com o propósito de que condições climáticas atípicas venham interferir nos resultados dos referidos processos biológicos. “A rota tecnológica adotada para avaliar a quantidade mínima adequada de palha para ser deixada na superfície do terreno após a colheita de cana-de-açúcar estará baseada na condução de experimentos em condições reais de campo”, aponta o docente da ESALQ.

Em campo, serão conduzidos seis tratamentos: 100% de palha em área total (ou seja, 0% de retirada); 25% da palha retirada; 50% da palha retirada; 75% da palha retirada; 100% da palha retirada; 100% da palha aleirada. “Assim poderemos avaliar o desenvolvimento e a produtividade da cultura da cana-de-açúcar em função da presença de diferentes quantidades de palha remanescentes, determinar as taxas de decomposição de cada quantidade de palha remanescente, quantificar as emissões de gases do efeito estufa em função das diferentes quantidades de palhas remanescentes na superfície do solo de dados unificado”, finaliza Cerri.

Microbiologia – Para comemorar o Ano Internacional dos Solos (a 68ª Sessão da Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas, realizada em dezembro de 2013, declarou 2015 como o Ano Internacional dos Solos), desde agosto de 2015, a Assessoria de Comunicação da ESALQ, em parceria com o Departamento de Ciência do Solo da instituição, publica a série de reportagem “O solo nosso de cada dia”. Na terceira reportagem, a ser publicada em outubro, abordaremos a Microbiologia dos Solos e de que forma os estudos conduzidos na ESALQ com as comunidades microbianas contribuem para uma produtividade agrícola mais sustentável.

Texto: Caio Albuquerque (30/09/2015)

Laboratório de Análise Química do Solo (LAQS) executa mais de 20 mil análises por ano e fornece informações aos produtores rurais (Crédito: Gerhard Waller)
Imagens de satelite composição 543 do landsat e respectivo mapa de textura da superficie do solo; projeto mapeia solo de Piracicaba (Crédito: GeoCis/ESALQ
Palavra chave: 
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