Uma pandemia, inúmeros obstáculos, várias oportunidades

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Leticia de Baptista Molloy ingressa este ano no curso de Ciências Biológicas (crédito: Gerhad Waller)
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Março de 2020. As aulas presenciais foram interrompidas em todos os níveis de educação quando a pandemia de Covid-19 chegou ao Brasil. A Universidade de São Paulo (USP) agiu para minimizar os impactos na formação acadêmica. Logo nos primeiros meses da pandemia, a USP distribuiu mais de 2 mil kits de internet para estudantes com necessidades socioeconômicas. Esses kits permitiram o acesso gratuito à internet para que alunos pudessem participar das atividades acadêmicas on-line. A Universidade também investiu na capacitação de seus docentes para o ensino a distância.

Mas o fato é que o mundo mudou a partir daquele ano e o contexto sanitário interferiu na rotina da comunidade acadêmica. Os relatos que seguem, de estudantes da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq/USP), evidenciam momentos de desafio e também de oportunidades de enriquecimento na formação durante a graduação que começou presencial e terminou on-line, ou daquela que iniciou on-line e agora se encerrará no formato presencial.

São depoimentos de descobertas e de como identificar portas que se abriram para vivenciar a trajetória acadêmica levando na bagagem aprendizados de um cotidiano em transformação.

A partir do próximo dia 14 de março, a Esalq, assim como todas as unidades da USP voltam com suas atividades acadêmicas em formato presencial. Será um novo capítulo de uma instituição de 120 anos que já formou mais de 16.500 mil profissionais na graduação e titulou mais de 10.700 mil mestres e doutores.

TCC on-line – Isabella Yoshioka dos Santos Pereira ingressou no curso de Gestão Ambiental em 2017. “O início da pandemia coincidiu com meu último ano de faculdade e, como eu estava fazendo estágio no Imaflora desde outubro de 2019, decidi adiar a formatura por um ano, pois o mercado de trabalho estava muito incerto para arriscar me formar”. Isabella fala dos desafios do período no qual acompanhou as aulas on-line. “Particularmente, tenho dificuldade em manter minha atenção assistindo a aula online, e reconheço que também não foi fácil para os docentes. Muitas vezes tivemos que ajudar algum professor com problemas técnicos. Houve uma intervenção da CPFL na minha rua e fiquei sem acesso a energia para assistir uma das disciplinas”.


Isabella Yoshioka dos Santos Pereira esteve na China em dezembro de 2019 (acervo pessoal)


Ao final da graduação, defendeu seu trabalho de conclusão também à distância e isso lhe trouxe certo conforto. “Defendi on-line, senti que consegui ficar mais calma apresentando à distância, e isso possibilitou que vários amigos pudessem assistir, mas cumprir com os cronogramas foi um grande obstáculo”. Mesmo passando os últimos anos longe do campus, Isabella encara esse período também como época de aprendizado. “Não ter passado os últimos dois anos na Esalq é um pouco doloroso, pois queria ter aproveitado mais a infraestrutura, as companhias e vivências fornecidas pela universidade, mas sou grata por ter conseguido me graduar e, embora afetados pela pandemia, ainda conseguimos seguir com as aulas de maneira online, algo que não foi possível em outras regiões do Brasil”.

No próximo dia 12 de março, Isabella estará junto com a turma de 2021 realizando a cerimônia presencial de colação de grau.

Ingresso na pandemia – O ano de 2021 seguiu com aulas à distância e o acesso ao campus limitado. Yuri Dantas Almeida estava entre os ingressantes daquele ano do curso de Ciências Econômicas e, mesmo diante das limitações conseguiu vaga em um estágio. “Ainda não tive nenhuma aula presencial, mas minha experiência na Esalq tem sido positiva pois no segundo semestre de 2021 consegui um estágio no Museu Luiz de Queiroz e, tomando as precauções sanitárias, não fiquei totalmente afastado da Esalq”. Yuri também participou de atividade da EJEA (Empresa Júnior Economia e Administração) e está ansioso para o recomeço das aulas em formato presencial. “Espero que as aulas presenciais possam trazer o que o EAD não trouxe, pois tive dificuldades de adaptação e o que todos da minha turma mais aguardam é que tudo volte o mais próximo do normal”.

Doutorado sanduiche adiado – O biólogo e engenheiro florestal Bruno Monteiro Balboni está na reta final do Doutorado Direto no PPG em Recursos Florestais, com foco em engenharia da madeira. Em março de 2020 ele estava com vôo marcado para África do Sul, mas teve que adiar. “Eu embarcaria no dia 28 de março, mas no dia 25 todos os aeroportos fecharam, os vôos foram cancelados e, ainda que eu tivesse embarcado antes, não teria conseguido realizar a pesquisa porque a universidade na África do Sul também havia fechado”.

O embarque para o continente africano ocorreu um ano depois, em março de 2021 e, nesse meio tempo, Bruno teve que rever seu planejamento de pesquisa e sua planilha financeira. “A gente planeja uma pesquisa e no meio tem uma pandemia que te impede de ir até a universidade, usar o laboratório e nos obriga a adaptar o projeto e controlar toda a parte financeira, incluindo a bolsa recebida pela Capes. Minha sorte é que eu contava com um banco de dados preliminares e isso me possibilitou eu iniciar a redação da minha tese. O que me ajudou nesse período foi o atendimento do pessoal da Capes e da pró-reitoria de Pós-Graduação da USP, foram meus anjos da guarda”.

Permaneceu na Stellenbosch University até outubro de 2021 e, além do impacto direto na pesquisa desenvolvida sob orientação do professor José Nivaldo Garcia, do departamento de Ciências Florestais, o adiamento da defesa impediu que Bruno pudesse ter prestado concursos na área acadêmica e o modelo à distância dificultou em áreas que exigem mais horas práticas. “Nessa área de estudos da estrutura de madeira o sistema à distância foi muito complicado e talvez o sistema híbrido pudesse funcionar melhor. Certamente o olho no olho é mais produtivo para a aprendizagem, mas aprendi que é preciso ter paciência. A reflexão que eu faço desse período é que ter um mínimo de organização ajudou bastante. Assim que ingressei na pós-graduação, sabia que queria fazer o doutorado sanduiche, fiz o teste de proficiência em língua inglesa, acompanhei os editais para selecionar oportunidades de intercâmbio, enfim, consegui encaixar o edital que me levou para a África dentro do tema da pesquisa. A pandemia reforçou algo que para mim já era importante, ser organizado e estar preparado para as coisas não andarem da maneira que imaginamos”.

Retomada na França – Assim como todo o corpo estudantil, o graduando do curso de Ciências dos Alimentos Gabriel Pereira Bragaia sentiu o distanciamento provocado pela pandemia. “Na verdade, eu senti um distanciamento da universidade como um todo, seja pela rotina, amizades, aulas práticas, atividades extracurriculares que realizava. Depois de todo esse tempo de pandemia a sensação era que não estávamos mais estudando em uma universidade”.

Em 2021, Gabriel seguiu para a França, cursar o duplo diploma na Atlantic National College of Veterinary Medicine, Food Science and Engineering – Oniris, em Nantes. “Vim para cá em setembro do ano passado e foi um impacto muito grande voltar a ter as aulas presenciais e viver mais aproximadamente da vida de antes da pandemia”.

 
Gabriel Pereira Bragaia está na França (acervo pessoal)              


Das atividades em home office, Gabriel também levará aprendizados. “O lado positivo de toda essa adaptação creio que seja a otimização do tempo com o home office ou a realização de algumas reuniões de forma online. Me formar nesse mundo diferente daquele quando ingressei na Esalq é um exemplo de como a habilidade de se adaptar rapidamente às diferentes situações é importante”.

Entre o on-line e o presencial – No início de 2019, a zootecnista Cristiane Regina Tomaluski ingressou no mestrado, no Programa de Pós-graduação em Ciência Animal e Pastagens da Esalq. “No mestrado avaliei diferentes fontes de colostro para bezerros e seus efeitos na transferência de imunidade passiva, saúde, desempenho e metabolismo”. Ao contrário de quando começou o mestrado, sua defesa ocorreu no formato on-line.

Mas como nem tudo tem só o lado negativo, a pesquisadora reforça que a pandemia trouxe também muitos aprendizados. Percebemos que somos capazes de nos adaptarmos a situações que no primeiro momento são assustadoras. Essa aceleração no processo de digitalização causado pela pandemia possibilitou que estivéssemos presentes, mesmo que distantes. Pudemos participar de disciplinas e eventos que estavam ocorrendo em outros estados e até países, sem que precisássemos sair de casa. Muitas oportunidades surgiram e muitas coisas foram facilitadas nesse período”.

Agora no doutorado, Cristiane tem sua defesa programada para 2025. “No doutorado vou continuar trabalhando com colostragem, mas avaliando o impacto da contagem de CCS na secagem sobre a qualidade e composição do colostro e na diversidade bacteriana, saúde, desempenho e metabolismo de bezerros leiteiros. Agora espero um cenário bem diferente, mas levando a reflexão de que precisamos estar preparados e abertos às mudanças. Apesar de todo o cenário triste causado pela pandemia, esse foi um dos períodos que eu mais vi as pessoas tendo a oportunidade de exercitarem a empatia, e esse exercício faz toda a diferença para a sociedade”.

Retorno – Leticia de Baptista Molloy é ingressante do curso de Ciências Biológicas. Vem de São Paulo, já morou em Piracicaba, e está feliz com a possibilidade de começar uma carreira universitária. “Conheço Piracicaba, gosto da cidade e estou bastante feliz por poder participar da comunidade universitária de modo presencial, conhecer as pessoas, o campus. Sinto que vou aproveitar minha experiência de forma positiva”.

A acadêmica escolheu Ciências Biológicas pela identificação com a disciplina de Química e por gostar de estar próxima da natureza. “Acredito que o curso na Esalq contempla bem essa questão e poderá me oferecer oportunidades de estágio e emprego no futuro”.

Durante a pandemia, Letícia iniciou um curso universitário, mas não se adaptou ao modelo remoto. “À distância fica mais difícil aproveitar as oportunidades oferecidas pela universidade, fazer estágios, enfim, acaba não sendo algo tão proveitoso. Existem casos e casos, sei que muita gente se adaptou às aulas remotas, mas vejo que estão todos felizes com a possibilidade de voltar a ter uma vida universitária mais integrada com o campus, com os professores, com os colegas, enfim, tudo isso é muito positivo”.

A partir da próxima segunda-feira, 14/3, todas as disciplinas serão oferecidas de forma presencial na graduação. Na pós-graduação, as disciplinas serão oferecidas na forma presencial, híbrida ou online, excepcionalmente neste primeiro semestre de 2022.

Em entrevista à Rádio Eldorado, concedida no dia 23 de fevereiro, o reitor da USP, Carlos Gilberto Carlotti Junior, falou sobre o início do primeiro semestre e afirmou que “essa volta tem de ser feita com segurança. Vamos incorporar algumas metodologias que foram utilizadas durante o período da pandemia que não utilizávamos antes. Nosso objetivo é ter, em 2022, um ensino melhor do que fizemos em 2019”.

“Todas as nossas instalações deverão estar funcionando de forma presencial, com acesso às nossas bibliotecas, às nossas salas de aula, aos nossos laboratórios de ensino e de pesquisa. A USP não é uma universidade de ensino a distância. Nosso foco é o ensino presencial. É isso que nossos alunos estão querendo e precisando e nosso corpo docente também”, disse.

Texto: Caio Albuquerque (10/03/2022)

Yuri Dantas Almeida ingressou em 2021 e terá as primeiras aulas presenciais este ano (crédito: Gerhard Waller)
Cristiane Regina Tomaluski é douturanda em Ciência Animal e Pastagens (crédito: Gerhard Waller)