A favor da convergência

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Marcos Sorrentino, professor do LCF da ESALQ (Crédito: Gerhard Waller, ESALQ/Acom)
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Biólogo e pedagogo, o professor do Departamento de Ciências Florestais da Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz” (ESALQ), Marcos Sorrentino, foi agraciado em Brasília (DF), no início de novembro, com a Medalha Defesa Civil Nacional – Ano 2013. Sorrentino trilhou sua atuação profissional na área da Educação Ambiental. Foi docente no Departamento de Educação da UNESP, campus de Assis e, desde 1988 atua na ESALQ, onde coordena o Laboratório de Educação e Política Ambiental (Oca). Em entrevista concedida especialmente para o Jornal da USP (Ano 30, nº1.048), o docente fala da sua atuação como educador ambiental, pesquisador e extensionista.

Qual o significado da Medalha Defesa Civil Nacional?
Marcos Sorrentino (MS): Durante pouco mais de um ano estive no Ministério da Educação como assessor especial para a política ambiental do Ministério. Nesse período articulei conversas com os ministérios da Integração, da Ciência e Tecnologia, do Meio Ambiente, para que as questões referentes aos desastres naturais, não ocorram apenas na instância da Defesa Civil após o desastre. O propósito é que as instâncias federais desenvolvam um trabalho educador que anteceda o desastre e possibilite que essas populações em áreas de risco estejam sintonizadas com os sistemas de alertas, com medidas de evacuação e preventivas e possa assim minimizar os impactos e evitar a perda de vidas.

Articulador é um traço marcante na maneira de agir?
MS: Ser articulador é um papel e uma missão de quem trabalha com Educação. Se nós temos uma concepção de Educação que não é a de depositar conteúdo na cabeça das pessoas, mas sim possibilitar que o aprendizado se instaure nas pessoas e entre elas, então o educador atua como facilitador tanto no acesso ao conteúdo quanto no fomento ao diálogo crítico, capaz de interpretar os problemas socioambientais e construir ações para a transformação desses problemas em melhores condições de vida e existenciais.  

Como ocorreu sua identificação com a esfera ambiental?
MS: Sou paulistano da zona leste, de família operária e quando tinha quinze anos minha família mudou-se para Embu das Artes. Lá descobri a importância e os benefícios que a natureza traz para a vida do ser humano. Desde então persigo a convergência da ação conservacionista em defesa dos bens naturais e as possibilidades de fazer isso em prol do ser humano.

A educação ambiental tem em sua essência o princípio da convergência entre duas áreas do conhecimento. Essa convergência está permeada na sua formação?
MS: Sim e ainda na graduação percebi que a Biologia, de forma solitária, não contemplaria o comprometimento do ser humano com a dimensão conservacionista e com o que estávamos descobrindo no final da década de 1970, ainda sob vigência da ditadura. Assim, da convergência entre o campo ecológico e as questões sociais forjou-se meu agir ambientalista, tanto que ainda na década de 1970 participei do movimento em defesa da reserva de Morro Grande e região de Caucaia do Alto, em Cotia (SP), contra a construção do aeroporto metropolitano. Em 1977 participei da criação da Associação de Proteção Ambiental de São Carlos, entidade que atua até hoje. Foi essa a forma que eu e tantos outros encontramos para atuar em prol da reconstituição da democracia no país.

A convergência entre educação e ambientalismo ainda não está consolidada na pauta dos governos, da mídia e da comunidade científica?
MS: Em todos os campos essa convergência ainda está obnubilada, esmaecida e esquecida. A mídia aborda a questão ambiental apenas sob enfoque ecológico, emotivo ou sensacionalista e não aprofunda devidamente a conexão entre a nossa forma de organização, o modo de produção e consumo e essa degradação socioambiental que vivemos, potencializando assim os seres humanos para transformações sociais.

O que falta para a cobertura jornalística nesse sentido?
MS: Falta abrir o espaço para o diálogo aprofundado e mostrar a relação entre a autonomia do Banco Central e a degradação socioambiental ou relação entre o aquecimento global e o que é ensinado de Biologia, Matemática na sala de aula. Faltam esses ganchos analíticos que permitam as pessoas a saírem da zona de conforto e compreenderem as causas e consequências da degradação. Falta a para mídia e para academia. Estamos cada um na nossa caixinha, fazendo estudos aprofundados e específicos e dificilmente fomentamos o diálogo entre pesquisadores para uma compreensão ampliada dessa problemática.

E na esfera governamental, também ocorre esse distanciamento?
MS: O governo fica refém desse comportamento isolado entre ministérios, secretarias, diretorias, não compreendendo que a solução do problema socioambiental exige a união e dialogo de todos os atores para o planejamento e a ação estruturante de solução desses problemas.

Entre 2003 e 2008 você atuou como Diretor de Educação Ambiental do Ministério do Meio Ambiente. Como contribuiu para aproximar as instâncias em prol da educação ambiental no País?
MS: Tive a oportunidade de colocar em prática a Política Nacional de Educação Ambiental que foi aprovada em 1999, regulamentada em 2002 e foi implantada em junho de 2003 por um ato conjunto da então ministra do Marina Silva e do então ministro da Educação, Cristovam Buarque. As equipes dos dois ministérios trabalharam em conjunto, um fato inédito. Assim criou-se o Programa Nacional de Educação Ambiental, com subprogramas que buscavam estruturar na sociedade uma proposta denominada de coletivos educadores socioambientalistas.

Qual o principal entrave para se consolidarem políticas de educação ambiental?
MS:
A nossa leitura é que a questão ambiental atrelada ao componente da educação exige mudança cultural, e essas não ocorrem com ações vaga lume, que acendem e apagam, ou seja, que não tem continuidade, permanência e articulação entre os atores. Só assim economizamos recursos, criamos sinergias e possibilitamos as transformações duradouras que a temática ambiental exige.

Fale um pouco sobre o Laboratório de Educação e Política Ambiental – Oca, do qual é coordenador na ESALQ.
MS: A Oca não é uma sigla, mas um local de encontro, assim como fazem os índios, que dialogam em círculo e falam tanto sobre os sonhos que tiveram quanto sobre a divisão de tarefas. Lá desenvolvemos projetos em duas vertentes. Uma voltada aos conceitos de educação ambiental, que incluem o diálogo, a identidade, a comunidade, a potência de agir e felicidade. No segundo campo e o da ambientalização, seja dos municípios, das instituições, dos grupos sociais. Aqui na ESALQ somos parceiros do Plano Diretor Socioambiental, na construção do Programa Universitário de Educação Ambiental, que destina-se a ambientalizar, a trazer a lógica ambiental para as instâncias do ensino, da pesquisa e da extensão e da gestão universitária.

Como a universidade pode consolidar políticas de educação ambiental dentro da sua realidade?
MS:
Equilibrando ações de Extensão, Ensino, Pesquisa e Gestão. Agora estou diante de um desafio maravilhoso, assumido pela gestão central da universidade que é a formação dos 17 mil servidores da USP como educadores ambientais. Nesse desafio pretendo canalizar a minha contribuição nesses anos finais de carreira.

Texto: Caio Albuquerque
Data: 05/01/2015