Desafios de um fitopatologista

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Docente fala sobre sua luta de mais de 40 anos contra vírus que atacam a agricultura brasileira (crédito: Gerhard Waller)
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O professor Jorge Alberto Marques Rezende, do Departamento de Fitopatologia e Nematologia da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (USP/ESALQ) recebeu, em 11 de fevereiro passado, o Prêmio Paulista de Fitopatologia. A láurea reconhece a relevante contribuição do docente para o desenvolvimento da fitopatologia e foi entregue durante o 38º Congresso Paulista de Fitopatologia, ocorrido em Araras (SP). Especialista em virologia vegetal, Rezende atua no combate de doenças de plantas de cunho agronômico. Na entrevista a seguir, concedida ao Jornal da USP dessa semana, Rezende fala dos desafios do manejo de vírus que atacam culturas como maracujazeiro, mamoeiro e tomateiro, entre outras.

Jornal da USP – Desde quando o senhor se dedica às pesquisas sobre doenças causadas por vírus em plantas?

Jorge Alberto Marques Rezende – Eu me formei em 1976 como agrônomo na Esalq e já na graduação tive a oportunidade de realizar trabalhos em parceria com o Instituto Agronômico de Campinas (IAC). Estudei a resistência do milho ao caruncho do milho. Foi meu primeiro trabalho de iniciação. Daí estudei a resistência da cana à cochonilha e a resistência da soja à lagarta das folhas. Passei a desenvolver pesquisas nessa linha, mas queria ir além do caráter entomológico. Isso ocorreu quando ingressei como pesquisador do IAC, em 1978, e lá trabalhei por 15 anos, na Seção de Virologia.

JUSP – Que projetos o senhor integrou no IAC?

Rezende – Fui responsável por um projeto sobre viroses do mamoeiro, mais precisamente o mosaico do mamoeiro. Buscamos estratégias de manejo em convivência com o patógeno. Lá a ênfase era essa, ir além do conhecimento, ter como objetivo encontrar alternativas de manejo que pudessem ser passadas ao produtor.

JUSP – Qual a motivação inicial que o levou a estudar estratégias de manejo de doenças de vírus de planta?

Rezende – No caso das doenças de vírus de plantas, o que me chamou a atenção de início foi a premunização, ou vacinação de plantas, processo um pouco diferente da vacinação em animais, em que se aplica o vírus inativado ou atenuado para o desenvolvimento de anticorpos no sistema imunológico. As plantas não têm sistema imunológico, mas, se inocularmos uma estirpe de um vírus na planta, essa estirpe se estabelece e impede a entrada de uma nova estirpe, mesmo que essa nova seja biologicamente mais severa do que aquela inoculada primeiro. Então inocula-se uma estirpe fraca do vírus, ou seja, aquela que não causa doença. Mesmo que fraca, essa estirpe vai tomar todas as células da planta e irá protegê-la da estirpe severa.

JUSP – Na Esalq, quais estudos o senhor conduz nessa linha?

Rezende – Eu ingressei na Esalq como docente em 1993 e esse interesse em premunização me levou a trabalhar com doenças de algumas cucurbitáceas (abobrinha de moita, abóbora, melancia, cabotia). Tivemos sucesso no controle do mosaico comum e do mosaico amarelo a partir de estirpes fracas protetivas, que gerou a produção de dissertações, teses e artigos de alto impacto.

JUSP – Esse projeto foi transferido ao campo?

Rezende – A aplicação prática não funcionou porque, em geral, a produção de abobrinhas, por exemplo, está atrelada a um modelo de produção não muito tecnificado, em pequenas propriedades. O cabotia, por exemplo, chega nas feiras e varejões com aspecto enrugado devido à ação desses vírus, mas mesmo assim ele é vendido. A premunização permitiu a produção de frutos de melhor qualidade. Como o consumidor também não exige um produto de melhor qualidade, a técnica não foi implementada.

JUSP – O custo da premunização é alto?

Rezende – O custo até que é baixo, mas há pouco interesse do agricultor em obter uma muda premunizada. Nós desenvolvemos um método barato, adaptando revólver de pintar carro, parecido com o que já havia sido testado em Israel. Funciona. Mas não tem quem se interesse em produzir as mudas, porque é um negócio de risco.

JUSP – E qual é a saída?

Rezende – A saída é trabalhar em outras frentes. Desde 2001 integro uma equipe de professores da Esalq e do Centro de Energia Nuclear na Agricultura (Cena) da USP que procura estratégias de controle da doença do endurecimento dos frutos do maracujazeiro por meio da premunização. Hoje trabalhamos em duas outras linhas. Uma é a partir de plantas transgênicas. Conseguimos autorização da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio) para efetivar um plantio no campo em Holambra (SP), numa parceria com a Syngenta. Acredito ser o primeiro plantio de maracujazeiro transgênico em avaliação de campo no mundo. Os resultados mostram que não houve resistência a infecção, mas identificamos clones com resistência à multiplicação do vírus, ou seja, os sintomas não aparecem.

JUSP – E a outra linha?

Rezende – A outra linha é o manejo cultural do endurecimento dos frutos do maracujazeiro. Temos experimentos em Piracicaba e em Vitória da Conquista (BA). Ele tem por base o sucesso do manejo cultural do mosaico do mamoeiro nos Estados do Espírito Santo e da Bahia, que se tornaram os maiores exportadores de mamão do mundo, mesmo com o mosaico do mamoeiro. Lá eles erradicam os pés doentes. Entra a figura do pragueiro, ou mosaiqueiro, que nada mais é do que um funcionário que anda pela propriedade cortando com facão os pés infectados. Assim se diminui a probabilidade de infecções secundárias, que tornam a plantação 100% infectada em poucos meses.

O professor Jorge Alberto Rezende: formado pela Esalq em 1976, estuda doenças em plantas desde a iniciação científica

JUSP – Essa tecnologia será repassada ao produtor?

Rezende – Entrei em contato com o pessoal da Coordenadoria de Assistência Técnica Integral (Cati) da Secretaria de Agricultura e estamos programando uma reunião para identificar produtores que queiram cultivar plantios piloto para recuperar áreas onde o vírus já dizimou a cultura do maracujazeiro, como a região de Bauru, por exemplo.

JUSP – E para isso é fundamental também a articulação entre fitopatologistas?

Rezende – Sim. Hoje existe a Associação Paulista de Fitopatologia, um grupo regional, e a Sociedade Brasileira de Fitopatologia, duas entidades engajadas e integradas, que organizam eventos onde discutimos temas ligados a esse contexto.

JUSP – O senhor tem se dedicado a outros estudos?

Rezende – Atualmente coordeno um projeto temático, com apoio da Fapesp, sobre epidemiologia molecular e estratégias de manejo de doenças de vírus transmitidos pela mosca branca em tomateiro, batateira e pimentão. O objetivo final será a elaboração de recomendações aos produtores sobre como melhor conviver com essas doenças no campo. Mas ainda estamos no início.

Texto: Caio Albuquerque (30/03/2015)

Palavra chave: 
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