A cana agora é outra

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Claudio Lima de Aguiar, professor do Departamento de Agroindústria, Alimentos e Nutrição da ESALQ (crédito: Gerhard Waller)
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O açúcar cristal consumido nas mesas dos brasileiros, não se destina apenas a adoçar o cafezinho pela manhã. Sua aplicação, aliás, se diversifica tanto na indústria alimentícia, seu principal destino (balas, biscoitos, iogurtes, refrigerantes), na construção civil, empregado para melhora as características mecânicas do concreto, e até nas siderúrgicas, auxiliando na confecção de moldes para fundição.
“Suas aplicações destacam a importância econômica e social, uma vez que movimenta bilhões de reais anuais e milhares de empregos diretos ou indiretos no setor sucroenergético”, reforça o engenheiro químico Claudio Lima de Aguiar, professor do Departamento de Agroindústria, Alimentos e Nutrição da ESALQ.

No entanto, para que a qualidade do açúcar cristal seja alcançada, a qualidade da cana-de-açúcar é de fundamental importância aos processos industriais. “A cana-de-açúcar é a matéria-prima essencial à produção de açúcar cristal, mas sua qualidade tem sido colocada em xeque”, aponta Aguiar.

Segundo o docente, com o advento da mecanização da colheita canavieira, há o surgimento de uma “nova matéria-prima”, desconhecida dos profissionais do setor. “Novas variáveis são adicionadas ao processo industrial, gerando novas demandas de estudos e pesquisa científica”. Coordenado pelo professor Claudio, um grupo de pesquisa que atua no Laboratório Hugot de Tecnologia em Sucroderivados da ESALQ tem trabalhado para desenvolver conhecimentos suficientes a serem transferidos à sociedade, nas áreas de controle analítico, tratamento/purificação de caldo de cana e armazenamento de açúcar cristal. “A pergunta que buscamos responder é quais seriam os impactos da mudança de cana queimada integral para cana crua picada nos processos industriais?”.

Desgaste de equipamentos? Aumento de insumos químicos? Aumento do custo de produção? Necessidade de ajustes operacionais? Os resultados dos estudos até agora indicam resposta afirmativa para todas essas questões. “O fato é que a cada nova safra, estamos descobrindo novas facetas desta matéria-prima, afinal a cana agora é outra. Uma vez que o aumento dos custos da produção não são repassados ao consumidor, a manutenção das empresas está atrelada à boa gestão de seus processos e à redução do uso de insumos ou à busca de novos insumos mais eficientes, por exemplo”.

Desafios – Os trabalhos têm foco nos impactos da presença de impurezas vegetais e minerais sobre métodos analíticos consagrados para avaliação da qualidade e controle de processo. Muitas dessas impurezas advindas deste novo conceito de colheita traz desvios nos valores reais de sacarose, glicose e frutose. “Um melhor entendimento das causas nos permitirá a busca e desenvolvimento de soluções para o setor produtivo e para a sociedade. Um exemplo é o aumento da presença de flocos (ditos ácidos) em refrigerantes adoçados com açúcar cristal. Os flocos ácidos são percebidos em refrigerantes após dias do envase, não trazendo perigo ao consumidor, muito embora seu aspecto possa causar uma recusa na aquisição do produto”, explica o docente.

Outra decisão a ser definida pelo setor sucroenergético, com apoio direto da comunidade científica é definir o destino/manejo do ponteiro, a parte superior da cana, região com maior teor de amido, que antes era queimada e agora segue para a indústria. “O ponteiro não pode ficar no campo porque dependendo do tipo de solo, forma uma cama de palha sobre o broto da cana e a dificuldade do brotamento aumenta. Além disso, no tratamento do caldo, já na usina, o aquecimento acaba transformando o amido em um material gelatinoso e isso pode gerar entupimento dos filtros, por exemplo”.

No campo, a infestação de pragas tem aumentado e, após a proibição da queima, foram registrados um aumento gradual da incidência da broca-da-cana e do raquitismo. “Essa é outra questão a ser sanada, sobre a qual já estão debruçados juntamente com colaboradores entomologistas e fitopatologistas. Em linhas gerais, antes tínhamos o que poderíamos chamar de ‘cana de garapeiro’, ou seja, aquela cana cortada e limpa uniformemente. Agora, o setor precisa apurar seu conhecimento sobre as safras, precisamos redefinir processos, dialogar com esse ‘nova’ matéria-prima que chega nas usinas”.

Grupo de pesquisa – Desde seu início, em 2009, o Laboratório Hugot de Tecnologia em Sucroderivados já publicou 33 artigos, formou 10 mestres e deu treinamento técnico-científico a diversos alunos, inclusive estrangeiros, de diferentes áreas do conhecimento. Atualmente, são seis os laboratórios que encontram suporte nas dependências do laboratório Hugot da ESALQ. “Nosso grupo de pesquisa tem por meta a busca de soluções práticas para o setor açucareiro nacional, buscando o desenvolvimento de pesquisas em conjunto com os mais renomados laboratórios e institutos do mundo em suas especialidades e em parcerias com o setor produtivo”.

Texto: Caio Albuquerque (07/07/2017)