USP ESALQ – A
SSESSORIA DE
C
OMUNICAÇÃO
Veículo: Brasil Post
Data: 26/02/2015
Caderno/Link:
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Assunto: Verdadeiros círculos viciosos, trotes universitários expõem contradições e
desafiam uma tradição secular
Verdadeiros círculos viciosos, trotes universitários expõem
contradições e desafiam uma tradição secular
À continuidade ou permanência de uma doutrina, costumes e valores de um grupo se dá o nome
de
tradição
. Sobre ela o historiador britânico
Eric Hobsbawm
chegou a escrever um livro
(A Invenção
das Tradições
), no qual ele demonstra o quão importante a tradição é na estabilidade social através dos
tempos. Mais do que isso:
tradições são invenções do homem
, elas não aparecem ao acaso. E por
vezes é difícil romper com elas.
"É uma questão de tradição", disse ao Brasil Post o diretor da
Faculdade de Medicina da USP
(FMUSP)
,
José Otávio Costa Auler Junior
, após uma das audiências realizadas pela
Comissão
Parlamentar de Inquérito (CPI) da Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp)
, que apura os casos
de
estupros
e violações dos direitos humanos em instituições de ensino superior do Estado de São Paulo.
As denúncias de estupros e casos de
homofobia
e
racismo
em festas promovidas majoritariamente
pela
Associação Atlética Acadêmica Oswaldo Cruz
ganharam força no ano passado, e mais de uma
dezena de relatos foi feita na CPI e anteriormente na
Comissão de Direitos Humanos (CDH)
do
Legislativo estadual. O Ministério Público já atua no caso e pelo menos oito denúncias estão sendo
apuradas, com uma pessoa já indiciada até o momento.
O que chegou a crimes graves começa com os conhecidos - e lamentavelmente tradicionais - trotes.
Atividades que marcam
a entrada de calouros na vida universitária
, os trotes não são uma
exclusividade paulista, tampouco brasileira. É uma prática secular, com relatos conhecidos desde os
tempos de Platão, e com episódios em instituições europeias.
De Coimbra, em Portugal,
estudantes da
elite brasileira trouxeram a prática.
O próprio nome "trote" tem uma etimologia próxima em vários idiomas. Em comum em todos eles é o
significado: é o andar intermediário do cavalo, entre o passo e o galope. No caso equino, é algo que se
precisa ensinar, muitas vezes com chicotadas.
O mesmo "adestramento", em muitas universidades,
acontece contra os "bixos", termo aplicado aos calouros
, em diversas ocasiões com uma violência
ainda maior do que a aplicada contra os cavalos.
Para ser domesticado, o calouro
"deve ser humilhado a ponto de nem mesmo merecer que a palavra
bicho seja escrita corretamente"
. A frase é do professor da Universidade Federal de São Carlos
(UFScar),
Antônio Zuin
, autor de um livro sobre o tema (
O Trote na Universidade: Passagens de um Rito
de Iniciação
). É na sua entrada que o estudante sofre com a "tradição" vigente, da qual lançará mão anos
depois, quando se tornar um veterano. Ou seja, um verdadeiro círculo vicioso.
"Os trotes deveriam ser completamente abolidos. Não há quaisquer chances de que eles possam
promover uma integração não doentia na vida universitária", disse Zuin ao jornal O Estado de S. Paulo, no
ano passado. "O trote pode ser caracterizado como rito de passagem sadomasoquista, pois o calouro que
sofre violências física e psicológica adquire o direito de se vingar de tais sofrimentos nos calouros do
próximo ano", completou.
A opinião do vice-diretor da Faculdade de Medicina do ABC,
Marco Akerman
- autor do livro
Bulindo com
a Universidade - Um Estudo sobre o Trote na Medicina
-, não é muito diferente. Para ele, vencer "o reino
do medo, do silêncio e da naturalização das práticas, que levam ao receio de denúncias e, portanto, à
continuidade dos abusos" é uma tarefa diária e constante que deve ser adotada. "É preciso um corpo
sensível de escuta das vítimas", sentenciou.