Clipping semanal - - page 14

pois havia consumido as latas de atum, de salmão e as várias outras comidas desidratadas. Mas a
bagagem na memória não se podia medir nem pesar, e me acompanhará o resto da vida. Foram sete dias
de paisagens deslumbrantes. Com elas, um sentimento de felicidade pela existência de lugares no mundo
onde é difícil o homem chegar e se estabelecer. Dádiva para a que a natureza permaneça intocada,
inviolada!
Cheguei à portaria do Parque e em algumas horas partiria para Puerto Natales - Punta Arenas, e de lá
para o Brasil. Feliz por ter completado o circuito e visto tantas coisas incríveis, mas decepcionada por não
ter visto o puma patagônico. Conversando com o guarda-parque da portaria, disse a ele o quanto procurei
pelo animal. Supreso, o guarda-parque me disse que esse objetivo era raro, que pessoas não procuram
pelo puma. Contei que era bióloga e que meu interesse era legítimo. Nesta hora, ele me mostrou uma
trilha próxima à portaria, de aproximadamente 4 km. Afinal, o que eram mais 4 km para quem havia
andado quase 130 km?
Dezenas de carcaças de guanaco ao longo de uma pequena trilha próxima à portaria do Parque. Foto:
Luiz Antonio GambáDezenas de carcaças de guanaco ao longo de uma pequena trilha próxima à portaria
do Parque. Foto: Luiz Antonio GambáJá era perto das 18h e a temperatura andava a volta de 5º C. Tinha
poucas horas de luz para procurar pelo animal. Meu namorado aceitou me acompanhar nesta última
oportunidade. Nos agasalhamos bem, pegamos as luvas, gorros, lanternas de cabeça e fomos andar. A
menos de 2 km da portaria achamos um abatedouro natural de guanacos, com dezenas de carcaças
espalhadas próximas à trilha! Era exatamente ali que pelo menos um indivíduo de puma do Parque se
banqueteava. Entre a vegetação baixa e rala e formações rochosas, era um lugar de espreita e abate
perfeito!
Estavam lá as três evidências da presença do animal: pegadas, o cheiro marcante da urina e as carcaças
de guanaco. Andamos alguns quilômetros sob um vento implacável, a luz do dia se apagando e o horário
do nosso ônibus se aproximando. Por um tempo, ficamos no alto de uma rocha para observar toda a
planície em volta. Mas sem ver o animal.
Nos últimos minutos no parque, tive a certeza de que o puma pode ter me visto em vários momentos da
trilha, mas eu não o vi. Vivi nesses dias um jogo de habilidade injusto, pois durante milhares de anos o
felino esculpiu seus sentidos para detectar perigos, presas, espreitá-las, abatê-las, comê-las, ensinar os
seus filhotes e esconder-se. O puma patagônico faz tudo isso muito bem, e ele era o anfitrião. Torres Del
Paine é a sua casa. Voltarei ao parque, sempre de visita, respeitando os meus limites e o espaço do
felino. Para um dia, quem sabe, ter a sorte de passar segundos admirando o puma patagônico.
Puma patagônico (
Puma concolor patagonica
). Foto: ThinkstockPuma patagônico (
Puma concolor
patagonica
). Foto: Thinkstock
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Fernanda Abra
é bióloga, doutoranda em Ecologia Aplicada pela ESALQ, amante das montanhas e
parque nacionais vive em busca de novos encontros com a vida selvagem.
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