Recenseamento de capivaras no Campus

Versão para impressãoEnviar por email

RECENSEAMENTO DA POPULAÇÃO DE CAPIVARAS NO CAMPUS “LUIZ DE QUEIROZ”

 

Introdução

Apesar da ausência de dados recentes sobre a densidade das capivaras (Hydrochoerus hydrochaeris) no Campus Luiz de Queiroz, observações anteriormente conduzidas sugerem a existência hoje de uma alta população desta espécie. Apesar de serem tão atraentes à população em geral, as capivaras estão associadas à ocorrência de situações preocupantes, especialmente por servirem de hospedeiros ao carrapato-estrela (Amblyomma spp.) e à bactéria causadora da febre maculosa (Rickettsia rickettsii), assim como pelo dano significativo causado a certas plantas cultivadas.

O carrapato-estrela é considerado no Brasil o principal vetor de R. rickettsii, e por esta razão considera-se indispensável o conhecimento dos níveis de ocorrência de capivaras soropositivas em cada região ao longo do tempo, para que sejam adotadas medidas que previnam a ocorrência desta enfermidade. De acordo com a Resolução Conjunta das Secretarias do Meio Ambiente e a Secretaria da Saúde do Estado de São Paulo (2016), a soropositividade de animais sentinela (principalmente capivaras) cada região onde o carrapato está presente precisa ser periodicamente avaliada, para a classificação das áreas em Áreas de Transmissão, Risco, Predisposta ou de Alerta. No caso de uma Área de Risco, avaliações devem ser feitas a cada cinco anos para a atualização da classificação. Por ser uma espécie de ocorrência natural no Brasil, a capivara é protegida por lei. Por outro lado, em áreas com a presença de carrapatos vetores, o número de animais a serem analisados quanto à soroprevalência varia de acordo com o número de animais existentes.

O item 4 da Resolução Conjunta da Secretaria do Meio Ambiente e da Secretaria da Saúde do Estado de São Paulo (2016) preconiza as medidas de manejo a serem adotadas em áreas classificadas como Áreas de Transmissão (como é o caso do Campus Luiz de Queiroz), com o objetivo de reduzir o risco de circulação do agente causal da febre maculosa. Menciona-se neste documento que o manejo reprodutivo para estabilização da população de carrapatos poderá ser adotado em locais sem possibilidade de isolamento completo da área. Em áreas em que o isolamento completo seja factível, a remoção parcial ou total da população também pode ser permitida, dependendo do grau de segurança da saúde humana.

Para a recomendação de qualquer medida de manejo, é imprescindível o conhecimento da localização dos grupos na área e a determinação do número de capivaras em cada grupo. Em razão disso, o trabalho aqui relatado foi realizado para obter estas informações no Campus Luiz de Queiroz, da Universidade de São Paulo, em Piracicaba-SP.

 

Materiais e Métodos

O recenseamento foi realizado entre outubro de 2016 e abril de 2017, seguindo-se o protocolo apresentado pelo IBAMA-MMA (2006). Assim, inicialmente foram realizadas diversas expedições ao longo do Ribeirão Piracicamirim, do Rio Piracicaba e na Fazenda Areão, para determinar a localização dos grupos. Essa determinação foi feita com base na observação da presença dos animais, suas trilhas, rastos, montículos de fezes, sinais de consumo de gramíneas etc. Durante este processo, determinou-se também o comportamento dos animais de cada grupo, no que se refere ao período em que estavam mais expostos, facilitando sua quantificação, e estimou-se a disponibilidade de alimento (especialmente presença de capim colonião, Panicum maximum).

Uma vez determinada a localização aproximada de cada grupo, passou-se a fazer a contagem dos animais, o que se repetiu por pelo menos 10 vezes para cada grupo. Pela extensão do trabalho e questão de logística, não foi possível contar os animais de todos os grupos concomitantemente. Por esta razão, inicialmente contaram-se os animais dos grupos considerados mais expostos (de mais fácil visualização), passando então para os grupos de mais difícil visualização. Para evitar a chance de que os mesmos animais pudessem ser contados mais de uma vez, sempre que possível, foram contados simultaneamente os animais de grupos vizinhos. Assim, os primeiros grupos a serem contados foram os de números 2, 3, 4, 6 e 9 (Tabela 1, designados respectivamente Seringal, C.T. Zootecnia, Bananal, Várzea/ Zootecnia e Alto da Zootecnia), assim como os grupos 10 e 11 (Fazenda Areão – estrada e Fazenda Areão – alto); em seguida, os grupos 7 e 8 (Lagoa de captação e Rodovia do Açúcar) e finalmente o grupo 1 (Entomologia). Houve, no entanto, certa sobreposição entre os períodos de contagem dos animais de cada um destes três blocos de grupos.

As contagens foram realizadas por avistamento dos animais e/ou pelo uso de câmaras trap. As observações diretas foram feitas sempre aproximadamente em um mesmo horário, que variou de acordo com as características de cada grupo, como especificado na Tabela 1. Considerando o comportamento das capivaras, as contagens ocorreram no final da tarde ou início da noite, exceto pelos grupos 10 e 11, cujos animais foram contados no período da manhã. A contagem de cada grupo foi feita por um número variável de pessoas (usualmente 2 a 6 pessoas, envolvendo estagiários e alunos de pós-graduação do Departamento de Entomologia e Acarologia), dependendo do tamanho do grupo e de sua dispersão maior ou menor no momento da quantificação. Colaboraram com esta contagem as seguintes pessoas, sob a coordenação de Gilberto J. de Moraes: Aldo Hanel, Carlos A. Ortega, César Spolaor, Dreyphus Casale, Elias Figueiredo, Elsa L. Melo,Fernanda Esteca, Geovanny Barroso, Isabella Moraes, Jandir C. Santos, João P. Martin, João B. da Cruz, Josenilton Mandro, Letícia H. de Azevedo, Luis G. de Queiroz, Márcia D. dos Santos, Rodrigo Rocha e Sofia Jimenez.

Nas observações com câmaras trap, estas foram posicionadas de forma a permitir a quantificação dos animais quando de sua movimentação em direção a um alvo, usualmente a passagem por determinada região. As câmaras utilizadas eram da marca Tec Bean®, usualmente gravando-se vídeos de 1,5 minutos, com tempo mínimo de 10 segundos entre tomadas.

O período entre contagens sucessivas de cada grupo variou normalmente entre 2 e 4 dias. As contagens foram usualmente feitas às segundas, quartas e sextas feiras, mas isto nem sempre foi possível por diferentes razões (chuva intensa, presença de alta densidade de gado nas áreas em que as capivaras vinham se alimentar etc). Em algumas contagens, um número muito baixo de animais foi encontrado, defasando muito de outras contagens; estas foram descartadas, não sendo aqui apresentadas, por se considerar que obviamente não expressavam a realidade.

 

Resultados

As observações realizadas sugerem a existência de onze grupos nas regiões consideradas, sendo quatro no na mata ciliar do Piracicamirim, quatro na mata ciliar do Piracicaba, um no morro da região central da pastagem localizada nas proximidades da torre de captação de água do Rio Piracicaba e dois na Fazenda Areão. Na Figura 1 mostra-se a localização aproximada dos grupos, enquanto na Tabela 1 observam-se os números de animais determinados para cada grupo.

O grupo ocupando o menor espaço parece ser o designado Seringal. O grupo ocupando o maior espaço parece ser o designado Lagoa de Captação, sendo este também o que apresenta o maior número de animais (contagem máxima de 128). O grupo com menor número de animais parece ser o designado Fazenda Areão – alto (contagem máxima de 12 animais).

Os grupos Várzea/ Zootecnia e Alto da Zootecnia são vistos alimentando-se tanto no período diurno como noturno, sendo estes animais encontrados alimentando-se praticamente durante qualquer horário. Os grupos Seringal, C.T. Zootecnia e Bananal saem da APP para se alimentar antes do por do sol, enquanto os grupos Entomologia, Lagoa de Captação e Rodovia do Açúcar saem para se alimentar um pouco mais tardiamente, logo após por do sol. Aparentemente a principal fonte de alimento para a maioria dos grupos são gramíneas encontradas no entorno das matas ciliares, especialmente o capim colonião. Aparentemente, os grupos com menor disponibilidade de alimento na região de vegetação natural, e, portanto, com maior estresse por alimento, são os designados Entomologia e Seringal. Por outro lado, os que encontram maior disponibilidade de alimento são C.T. Zootecnia, Bananal, CENA, Várzea/ Zootecnia e Alto da Zootecnia.

A caracterização da localização de cada grupo é apresentada na Tabela 2.

 

Discussão

A contagem dos animais do grupo Lagoa de Captação foi facilitada pelo hábito dos animais saírem sistematicamente de seu abrigo diurno (nas APP’s) para as áreas abertas de pastagem nas vizinhanças, onde vem se alimentar. Nestes casos, a chegada dos avaliadores nos locais de contagem antes da chegada das capivaras foi primordial. A permanência dos avaliadores, imóveis, nas proximidades (30–40 m) dos buracos presentes nos alambrados, por onde saiam as capivaras, usualmente permitia visualização adequada dos animais. Estes a princípio se mostravam um tanto arredios, mas em pouco tempo se acostumavam com a presença dos avaliadores, permitindo a eles, em seguida, a movimentação lenta e o uso de lanternas para confirmação da contagem. Para outros grupos (Seringal, C.T. Zootecnia, Bananal, Várzea/ Zootecnia, Alto da Zootecnia, Fazenda Areão – estrada, Fazenda Areão – alto), a presença dos animais em locais abertos durante o dia também facilitou as contagens. O comportamento de passagem sistemática por uma única saída para alimentação permitiu o uso de câmaras trap para contagem dos animais dos grupos Entomologia e Rodovia do Açúcar, sendo esta contagem confirmada ou complementada pela visualização direta em diversas ocasiões. No entanto, a contagem dos animais do grupo CENA foi a mais difícil, por ser este aparentemente menos coeso que os demais, e pela necessidade de que fossem contadas dentro da APP, exigindo a ação coordenada de diversos avaliadores.

Nota-se que todos os grupos são compostos por um número relativamente grande de animais, no entanto, o grupo da Lagoa de Captação mostrou-se muito maior que os outros. Uma questão plausível neste caso refere-se à possibilidade de que o que foi considerado um grupo único possa corresponder a dois ou mais grupos vizinhos. No entanto, a considerável proximidade entre estes e o entrelaçamento de trilhas sugere não ser conveniente a separação deste grupo em grupos menores.

A condução deste trabalho também permitiu constatar uma grande variação no campus em relação à disponibilidade de alimento para os diferentes grupos. Alguns tinham alimentação relativamente abundante nas APP’s (por exemplo, grupos CENA, Várzea/ Zootecnia e Rodovia do Açúcar), com a presença de áreas relativamente extensas de capim colonião, altamente aceitável pelos animais. A disponibilidade era maior nas áreas embaixo das linhas de transmissão de alta tensão, onde as árvores são podadas periodicamente. Entretanto, outros grupos tinham disponibilidade muito limitada de alimentação dentro das APP’s (por exemplo, grupos Entomologia, Seringal, C.T. Zootecnia e Alto da Zootecnia). Neste último caso, as capivaras se aproveitam de cultivos, pastagem ou da ração provida ao gado nas proximidades das APP’s.

Além das capivaras detectadas, há um grupo que não foi considerado no presente estudo, que vive junto à chamada “Lagoa do Aeroporto”. Procurou-se não interferir com o grupo, tendo em vista que este está sendo atualmente estudado em um projeto financiado pela FAPESP e coordenado pelo Prof. Marcelo B. Labruna. De acordo com o Prof. Labruna, o número máximo de animais deste grupo (observado em final de abril de 2017) foi de 34 animais, sendo 17 adultos, 8 jovens e 9 filhotes. Assim, o total estimado no campus é de 409 capivaras.

Os resultados apresentados neste documento sintetizam a população de capivaras no Campus Luiz de Queiroz no início de 2017. Embora a impressão que se tem no momento é de que a população esteja aproximadamente estável, isso não pode ser afirmado com segurança, tendo em vista a falta de um acompanhamento sistemático ao longo do tempo. Parece conveniente que estudos semelhantes a este sejam repetidos pelo menos a cada 2–3 anos, o que permitirá a consolidação de um histórico sobre a evolução das capivaras neste campus. Este acompanhamento permitirá a obtenção de conclusões a respeito das medidas de manejo adotadas ao longo do tempo, servindo não somente ao interesse deste campus, mas também para avaliar a eficácia de cada medida adotada.

 

Bibliografia

IBAMA. MMA (2006). Diagnóstico populacional da capivara. Documento com 8 pp.

RESOLUÇÃO CONJUNTA SMA/SES (2016). "Diretrizes técnicas para a vigilância e controle da febre maculosa brasileira no Estado de São Paulo – classificação de áreas e medidas preconizadas.” Documento com 22 pp.

Tabela 1. Contagens de capivaras de cada grupo determinado no Campus Luiz de Queiroz. Janeiro a abril de 2017, destacando-se (em vermelho) os números máximos.

(1)1: Entomologia; 2: Seringal; 3: C.T. Zootecnia; 4: Bananal; 5: CENA; 6: Várzea/ Zootecnia; 7: Lagoa de captação; 8: Rodovia do Açúcar; 9: Alto da Zootecnia; 10: Fazenda Areão – estrada; 11: Fazenda Areão – alto. A: adultos, J: jovens, F: filhotes. (3)A: alimentação, D: descanso, M: movimentação

 

Tabela 2. Caracterização dos locais habitados pelas capivaras de cada grupo determinado neste estudo. Campus Luiz de Queiroz, 2017.

No.

Nome do grupo

Limites aproximados

Caracterização

Habitats circundantes

1

Entomologia

Viaduto sobre a Rodovia Luiz de Queiroz (limite sul do campus) – ponte da Estrada de Monte Alegre.

Extensa área de mata ciliar do Piracicamirim; pouca disponibilidade de gramíneas (exceto braquiária), com acesso direto à vizinhança da ESALQ na região da passagem da Rodovia Luiz de Queiroz sobre este ribeirão; abundante disponibilidade de gramíneas no entorno da mata

Pomar com cobertura de gramíneas, plantios de milho, áreas com gramíneas de crescimento espontâneo, Ribeirão Piracicamirim, edificações

2

Seringal

Ponte da Estrada de Monte Alegre – ponte Ciências Florestais.

Reduzida área de mata ciliar do Piracicamirim; pouquíssima disponibilidade de gramíneas; alimentando-se no momento principalmente do capim disponível entre o alambrado e o seringal

Pastagem de gramíneas mistas, seringal, Ribeirão Piracicamirim, proximidade de salas de aula, , área de confinamento de gado.

3

C.T. Zootecnia

Ponte Ciências Florestais – proximidades da cachoeira na região da pedreira.

Mata ciliar do Piracicamirim; pouca disponibilidade de gramíneas, com rara ocorrência de capim colonião nas proximidades do alambrado do lado direito do ribeirão alimentando-se no momento principalmente do capim disponível na área da Zootecnia nas proximidades do alambrado

Pastagem de gramíneas mistas, Ribeirão Piracicamirim, proximidade de salas de aula, unidade de ordenha e processamento de leite, área de confinamento de gado.

4

Bananal

Proximidades da cachoeira na região da pedreira – desembocadura do ribeirão no Rio Piracicaba.

Extensa mata ciliar do Piracicamirim; aparentemente disponibilidade razoável de capim colonião em certos pontos da mata

Pastagem, áreas com gramíneas de crescimento espontâneo, Ribeirão Piracicamirim, edificações

5

CENA

Viaduto do Shopping (limite oeste do campus) – desembocadura do Piracicamirim no Piracicaba.

Extensa área de mata ciliar do Piracicaba; aparentemente disponibilidade razoável de capim colonião em vários pontos da mata

Áreas com gramíneas de crescimento espontâneo, Rio Piracicaba, plantio sazonal de milho e cana-de-açúcar

6

Várzea/ Zootecnia

Desembocadura do Piracicamirim no Piracicaba – proximidades da torre de alta tensão no ponto mais alto do terreno.

Extensa área de mata ciliar do Piracicaba; aparentemente disponibilidade razoável de capim colonião em vários pontos da mata; alimentando-se no momento principalmente do capim disponível na área da Zootecnia nas proximidades do alambrado

Pastagem, plantios de arroz, Rio Piracicaba, edificações

7

Lagoa de captação

Torre de captação – divisão da lagoa.

Extensa área de mata ciliar do Piracicaba; Aparentemente pouca disponibilidade de gramíneas, exceto em certos pontos nas proximidades do alambrado; alimentando-se no momento principalmente do capim disponível na área da Zootecnia nas proximidades do alambrado

Pastagem, Rio Piracicaba

8

Rodovia do Açúcar

Divisão da lagoa – viaduto da Rodovia do Açúcar.

Mata ciliar do Piracicaba; aparentemente disponibilidade razoável de capim colonião em vários pontos da mata; alimentando-se do capim disponível na mata ciliar, mas também cruzando a estrada (pelo duto subterrâneo) para se alimentar de outro lado da Estrada de Monte Alegre

Pastagem, Rio Piracicaba, estradas

9

Alto da Zootecnia

Toda a mata da região declivosa.

Mata no morro localizado na região central da área da Zootecnia n extremo norte da ESALQ, com pouquíssima disponibilidade de gramíneas; alimentando-se principalmente do capim disponível na área da Zootecnia no ao redor da mata

Pastagem, confinamento de gado

10

Fazenda Areão – estrada

 

Extensa área de mata nas proximidades do extremo nordeste da lagoa próxima à estrada dentro da Fazenda; com pouca disponibilidade de gramíneas; toda a mata da região nordeste da lagoa.

Áreas com gramíneas de crescimento espontâneo, eucaliptal, cultivo sazonal de milho e cana-de-açúcar, lagoa

11

Fazenda Areão – alto

 

Extensa área de mata e área cultivada a leste da lagoa próxima à estrada dentro da Fazenda; a leste da lagoa próxima à estrada dentro da Fazenda; com pouca disponibilidade de gramíneas (exceto braquiária);toda a mata da região oeste da lagoa.

Áreas com gramíneas de crescimento espontâneo, eucaliptal, cultivo sazonal de milho e cana-de-açúcar, lagoa

 

Figura 1. Localização dos grupos de capivaras, com indicação dos números máximos encontrados (primeiro número do retângulo: número do grupo; segundo número: número máximo).